quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Cansada filosofia
No metrô, voltando do trabalho. Naquelas fases da vida em que os rumos se perdem um pouco, os focos embaçam, e o túnel se prolonga, mais escuro, tornando a visão da luz do fim menos aguçada. No metrô, no túnel do metrô, cansado, não-grávido, não-idoso, não-deficiente físico, por sorte (ou mérito?) sentado em assento não preferencial. Pensando nesta vida arborizada, difusa, solúvel e aguada. Pensando no sentido a seguir; ou apenas no sentido; há um?
Em outro assento não-preferencial, ao meu lado, uma senhora aparentando seus 60 anos, mas com voz de 50 (voltando do trabalho?). Veste roupas baratas, sandálias rasteiras com bijuterias falsas como adornos, dando evidência aos pés calejados de unhas mal feitas e sujas; calça de algodão marrom; blusa estampada em tons dourados (ou beges?), como a pele de uma jaguatirica desbotada pela exposição prolongada ao sol; cabelos louros, artificialmente mal pintados por ela própria, em corte reto numa altura indefinida, que não chega aos ombros, tampouco ao Chanel.
Bolsa apoiada nos joelhos. Ela acaba de fechar um pacote de presente da Hering que está em seu colo, entre o peito e a bolsa. Em seu pescoço, um Espírito-Santo dourado pende em excesso por fora da blusa, em cordão do mesmo tom, nem longo, nem curto, em altura tão indefinida quanto a dos seus cabelos.
Ela pega um celular na bolsa, disca. Alguém a atende. Ela agradece entusiasticamente pelo presente que acaba de conferir. Ela adorou. Fala alto. Será que havia um bilhete pedindo que ela só abrisse no caminho de casa? Será que foi dado às pressas, no centro da plataforma, por alguém que entraria num trem que iria para o sentido oposto do nosso? Ela amou o presente. Ela gostou muito. Adorou mesmo. Ela agradece. Sorri. Agradece e sorri. Não, não sorri. Ela ri. E rindo começa a falar de um viagem que fará, provavelmente com a pessoa do outro lado da linha. O presente tinha a ver com a viagem? Ela descobriu a viagem pelo presente? O presente é o presente ou a própria viagem? Ou os dois?
Para onde ela vai? Quando? Fala do lugar onde ficará hospedada. Ela está leve. Está muito feliz com os novos planos. E consegue levar consigo um pouco do meu cansaço e da minha vã filosofia. Seus novos planos me aliviam.
Não sei se ela sabe para onde vai. Talvez não soubesse, assim como eu, até aquele momento. Mas acaba de descobrir um novo destino, com data marcada. E essas luzes fugazes que nos aparecem nas laterais do grande túnel, que passam velozes na marcha do trem, vão dando novos sentidos e rumos quando conseguimos agarrá-las. Ou quando nos são presenteadas. Acho que se há um sentido, é este mesmo, ou melhor, são estes.
Se a luz do fim é o próprio fim, e se nunca a enxergamos em plenitude senão na hora H, talvez devamos parar de procurá-la, e assim olhar mais para os lados luminosos e menos para a frente escura.
No metrô, sentado, voltando do trabalho. Olho para o lado e ganho o presente de um sentido volátil para a vida, que no redigir destas palavras já se perdeu. No metrô só há janelas laterais. Se olharmos à frente, jamais saberemos para onde estaremos indo.
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