sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Coração de Diamante

Eu não consegui! Não consegui me desapegar das cinzas. Não pude lançá-las ao vento, nem ao mar. Fui egoísta, materialista, possessivo. Preferi transformá-las em diamante. Bruto. Brutal. Rígido. Denso. Um coração de diamante, onde jaz quem eu tanto amei, quem eu ainda amo.
Ando com ele pendurado contra o peito, guardião das minhas dores e das batidas do meu pulso. Um amuleto ensimesmante e aprisionador de minha alma, da porção Eros do meu Ser.
Tornei-me zumbi e um renegado do amor. A morte de um, que acabou matando dois. Que triste esta condição a que me dispus. Mas não consigo tentar, tampouco tentar tentar.
Eu, preso no chão. Ela, presa no ar. Eu, amarrando-a em mim. Ela, pesando meu andar.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

P U T O

Uma pessoa passa a toda pelo sinal vermelho e acerta em cheio o meu carro. Uma pessoa estava com outra pessoa, e se machucaram. Estavam sem cinto de segurança. Meu carro, todos sabem, é levado para um cemitério de automóveis. Morte súbita!
Meu carro tem seguro. O da pessoa, não.
O pai da pessoa diz que a pessoa é meio abobalhada. Que não devia pegar carro. Se vivo hoje é por Deus, não por essa pessoa.
O pai da pessoa me liga dois dias depois e tenta me subornar para assumir a culpa.
A amiga do pai da pessoa me liga algumas horas depois, e tenta me subornar para assumir a culpa. “Nem que fosse o Papa”, são minhas palavras.
Quinze dias depois, hoje, me liga o suposto advogado da pessoa. A pessoa dizendo que estava amarelo. A pessoa dizendo que veio pela direita e tinha preferencial. A pessoa, que nem tentou frear e que é, segundo o próprio pai, meio abobalhada, é muito simples na hora de pedir, e muito esperta na hora de se virar.
Me deixa puto! A injustiça me deixa puto! Sei que isso não vai dar em nada. Sei que comigo vai ficar tudo bem. Mas o simples fato das tentativas de suborno e agora essa palhaçada de advogadinho de porta de cadeia querendo sair por cima, me deixam PUTO!!
Quantos prostitutos existem neste mundo.... Quanta sacanagem e falta de dignidade!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Procuração

Tem gente que senta e desfia a vida dos outros. Tem gente que veste.
Tem gente que senta e avalia a vida dos outros. Tem gente que voa.
Tem gente que senta e vaia a vida dos outros. Tem gente que grita.
Tem gente que senta e comenta a vida dos outros. Tem gente que vive.

Tem gente que nasceu pra sentar e olhar. Tem gente que nasceu para sonhar e andar. Olha pra cá, camarada! Pode falar, pode falar, pode babar pelo meu caminhar. Quando, qualquer dia, eu decidir voltar, saberei certamente onde te achar. Já você, camarada, se decidir me encontrar, não terá idéia de por onde começar.

Casa

Onde eu moro a voz de uma mulher abafa o som da construção;
onde eu moro, as flores da velha senhora crescem em cores surpreendentes;
onde eu moro, o sol bate de cima, de lado e de dentro;
onde eu moro, tem jogo de amarelinha desenhado no asfalto;
onde eu moro, tem espada de São Jorge desviando mal-olhado;
onde eu moro, o tempo passa diferente, deixando a gente ser mais a gente.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Peter Pan

Fui atentado outro dia, não por um qualquer, mas por alguém que vale a pena escutar, sobre a chamada Síndrome do Peter Pan. Sabe, a criança adulta que se recusa a crescer? Pois é, atentaram-me a isso.
Será? Será mesmo?
Já tinha pensado nisso, muito mesmo, há um certo tempo, mas achei que já havia superado tal Síndrome. Acho ainda.
Sempre me identifiquei demais com a sintomatologia, com minha comunhão com filmes que tratavam do tema – quem nunca viu “Em Busca da Terra do Nunca”, que não perca.
Mas hoje minha visão é outra... Não acho que seja síndrome, no meu caso. Simplesmente por não ser "um conjunto de sinais e sintomas", no meu caso. No meu caso, chama-se personalidade.
Síndrome, acredito eu, tive enquanto era criança. Isso sim, não muito saudável. Porque quando criança, tive a Síndrome do Capitão Gancho. Eu era uma criança adulta, hiper-responsável, independente, que achava as outras crianças tolas e se interessava nos assuntos e problemáticas dos adultos. Gostoso, para mim, era ouvir e me meter nas conversas dos adultos. E quase não fazia nada de errado, e estudava muito, e era bom em tudo o que me propunha a fazer.
E hoje, depois de adulto, achei minha criança. Que continua a mesma criança adulta de antes, continua responsável, preocupada, mas que não perdeu o olhar de criança do mundo. Como vejo beleza e novidade por aí! Como tenho esperança! Como acredito na transformação! Como vivo em poesia e não em prosa!
Peter Pan... Peter Pan era meio bobão, que imitava galo e batia as asinhas por aí. Eu? Eu não! Eu não vôo, caminho. Não cacarejo, canto. Não sou fixo, cresço.
Agora, se a transgressão, a transcendência, a beleza, o sonho e a arte forem sintomas, aí sim, talvez eu seja mesmo um sindrômico! E se assim for... Por Deus! Amém!!

Cheiro de Dona Olímpia

A rua hoje estava cheirando à Dona Olímpia. Um cheiro doce, mas não enjoativo.
Dona Olímpia era uma professora de Ciências da minha época de colégio. E o perfume dela ficava mais intenso em dias como hoje, dias frios mas não tanto, chuvosos mas não tanto. Dias de preguiça, em que a estática do ar é estranha, em que as pessoas falam baixo e pensam devagar.
Em dias assim, o ônibus ia dormindo. Podíamos ouvir as respirações. As pessoas ficavam mais nas salas de aula durante o recreio, e poucas corriam.
As aulas de Dona Olímpia eram sempre as últimas. E o perfume dela, aquele perfume de aconchego, me acompanhava de volta para casa, se misturava um pouco com o gosto do Todinho que eu preferia guardar para depois em dias como esses; dias como hoje. Dias que passavam calmamente, sem euforia nem tristeza, nem pretos nem brancos, dias comuns e gostosos, em que não havia obrigações de sairmos de dentro de nós mesmos.
Gostava de dias assim; gostava de Dona Olímpia; gostava de chegar em casa com sono e cansado, e não pensar em nada, e não me preocupar com isso.
Hoje, a rua estava cheirando à Dona Olímpia. Hoje, o dia estava calmo. Hoje, eu me fui essencial.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Cubalançando

Essa noite fui pra Cuba. E Cuba não ia lançar foguetes. Não fui ver Cuba lançar! Fui relaxar. Tomar sol e dançar salsa. E foi boooommm....
Outro dia estava refletindo na quantidade de coisas que nós perdemos da vida, vendo Cuba lançando. Tantas vezes que deixamos de prestar atenção em nós mesmos, nos nossos estados internos e nos outros estímulos naturais externos que temos à nossa disposição, só porque não podemos desviar o olhar dos lançamentos de Cuba. Como nossos instintos nos atrapalham e nos boicotam. Incômoda necessidade humana de se proliferar. E tudo isso porque já estamos bem evoluídos. Em épocas cavernosas, provavelmente iríamos à praia e nos lembraríamos apenas das bundas que vimos passando. Havia mar? Não sei. Morros? Não sei. Bundas? Opa, várias!
Freud já morreu há muito tempo, terráqueos! Não precisamos mais agradar ao cadáver. Temos pornografia de fácil acesso, sexo de fácil acesso, pela Internet, por telefone, 24 horas, boates que se tornaram verdadeiras saunas eróticas... Dá tempo de relaxar, vai. Dá tempo de vislumbrar algo mais elevado, vai. Dá tempo de ir à Cuba, desencanar dos foguetes e simplesmente gozar do ar respirado! E dançar, e dança e dançar sob o sol poente!

domingo, 10 de agosto de 2008

Savoir Vivre

Dizem que quando estamos para passar desta para outra, não sabemos se melhor ou pior, nossa vida passa como filme pela mente.
Eu sabia, então, que não seria desta vez. Nada passou pela minha mente, a não ser a imagem de uma pista de carrinhos de bate-bate de parque de diversão.
Paguei a língua; nem tudo é rotineiro no interior. Ver uma amiga cantando na praça, vazia, debaixo de chuva, com uma, somente uma pessoa inspirada dançando molhada, fingindo que estava se divertindo, e emendar o evento com uma colisão – em termos policiais – fenomenal, que acabaria em perda total do veículo – também em termos policiais - não é para qualquer noite de sábado.
Dar risada com amigos, cantando e dançando samba, numa noite gelada e chuvosa – digo, na mesma noite gelada e chuvosa – em frente a um carro – meu carro – travestido de lata de atum amassada, dobrada ao meio, enquanto a viatura policial e a equipe de resgate realizavam seus trabalhos, não é para qualquer noite de sábado.
Passar por um acidente deste naipe sem um arranhão sequer, para conseguir dançar e cantar samba em frente ao ocorrido, não é para qualquer noite de sábado.
Passear na delegacia e se entreter com cartazes de desaparecidos rabiscados de forma jocosa pelos próprios policiais, como este:

FULANO – DESAPARECIDO
(A foto do Fulano era especial: o Fulano estava vestido de caipira, com chapéu de palha junino e tudo.)
SOBRANCELHA CORTADA
Obs.: A última vez que foi visto estava na rodoviária, por volta das 21:00. Estava com uma guitarra, chapéu, calça rasgada e uma caixa de som preta.

... não é para qualquer noite de sábado.

Passar fome de madrugada e brincar de bandido no banco de trás da viatura não é para qualquer noite de sábado.

Sim, lição aprendida.
Não encha o tanque do carro antes de dar uma PT.
Não mande o carro para a oficina para ele ficar sem arranhões na lataria, antes de dar uma PT.
Tome muito cuidado antes de ir ver uma amiga cantar: você pode passar por um seqüestro relâmpago e roubo de veículo à mão armada, ou dar uma PT – sim, aconteceu comigo;sim, ambas as partes; sim era a mesma amiga; sim, era o mesmo carro.
Cuidado com esta minha amiga (ou com quem toca soul com ela).

Sim, lição mais que aprendida.
É importante ter “as mesmas pessoas” no interior.
É importante ter “as mesmas pessoas” em outros lugares.
É importante criar novos assuntos com “as mesmas pessoas” – mas não necessariamente de forma tão intensa como esta.
É importante esquecer a partitura, deixar de lado a leitura, viver a aventura e se jogar na viatura.

VENHA PARA CAMPINAS! ELA TE ESPERA DE RISOS ABERTOS!

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Tempo

Peraí, peraí, calma!
Deixa primeiro eu me engolir, pra depois me tornar irresistível.
Me dá mais um tempinho.
Un ratito, tío, y nada más!

Impaciência

U-hu! Que legal! Vai ter uma festa super supimpa! Vai ser lá, no mesmo lugar! Vão as mesmas pessoas! Serão as mesmas bebidas! Ah, e os mesmos assuntos! O-ba! Que tuuuudo de boooom! Cada um no seu cantinho, olhando o cantinho do outro. Hahahahahahahahahahahaha!!! Ai, que divertido! Eu não vejo a hora!! Nooossaaa, você não sabe! Na semana passada, aconteceu uma coisa muuuuito biruta! O Fulaninho ficou tão bêbado, que foi falar umas coisas pra Fulaninha, que deixou ele falando sozinho. Hahahahaahahahaha. Foi super divertido! E a Beltrana anda meio estranha... Meio sem dar risada. Que estranho gente triste. Mas a Ciclana tá emagrecendo, e a Outra Lá, só engorda. Tadinha. Ah, te contei que eu ia pular de pára-quedas? Mas eu não posso mais. Lembrei que vou fazer a unha no mesmo horário. Nossa, esse final de semana está lotado de eventos!! Olha, te espero lá na festa, hein!! Vai ser eletrizante!! Um Suuuuuper beijo! Te adoro!!

VENHA PARA CAMPINAS! ELA TE ESPERA DE BRAÇOS ABERTOS!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Rouquidão

O que tusso eu nos meus dias de seca?
Sinto às vezes o buraco tão fundo, que a aflição erupta o nada. Nada sai. Nada vai. Nada vem.
A cabeça lacrimeja em divagações chulas e nulas.
O corpo reage com forte inércia, preguiça e fraqueza.
É uma gripe sem vírus, uma febre gelada.
Mas a tosse insiste em falar, e fala por mim e por ela. Mas não fala nada. Só tosse. Uma tosse que tosse a si própria. Seca. Incolor. Quase muda.
E tossindo, e tossindo, vago pelo labirinto que eu mesmo construí, querendo sair, mas sem procurar a saída. Querendo ganhar sem jogar. Esperando a parte que me cabe deste cosmifúndio.
E então, me pergunto sem querer responder sozinho. Me pergunto querendo ajuda, desta vez. Me pergunto sem Me perguntar: o que tusso eu nos meus dias de seca?

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Do Rio

É importante tirar os óculos pra perceber o real azul do mar. Tirar os sapatos pra sentir o real teor da areia. Livrar-se dos fones pra ouvir o ruído das ondas. Calar a música e cantar o canto dos ambulantes.
É importante despir a pele e se deixar queimar. Invejar os corpos e se deixar suar. Liberar a alma e desejar o toque.
É importante destravar a língua e arranhar o R. Relaxar a boca e chiar o S.
É importante aprender que, frente ao sol e ao samba, a importância que importamos, não importa nunca.
É importante apagar a Mooca, esquecer da Oca e se sentir carioca.

domingo, 3 de agosto de 2008

Pronta!

Pronto.
Estou pronta. Já posso usar a roupa que eu quero, e não preciso mais difamar o que no fundo eu gostaria de ser.
Pronta. Já me olho no espelho e me gosto.
Já me lambuzei de alma leve. Meu olhar é mais branco. Passei alvejante nos dentes e encerei minha pele.
Entreguei meus cabelos. Pode usar, sob minha cabeça quero chapéu furado e arejado.
Estou pronta. Estou ágil. Posso andar nua, ou quase.
Posso ser mais uma, se eu quiser. Não preciso ser mais a outra.
Olha pra mim, olha à vontade. Pode olhar que eu me mostro a você. Não temo nada.
Olha pra mim. Pode comparar à vontade. Sou mesmo parecida com tantas, sou mesmo melhor nisso e pior naquilo. De que importa. Sou eu mesma quando quero, sou as outras quando quero. Não me escondo mais na raridade ou na diferença. Olha, compara, escolhe e compra!
Visto camisola branca e curta, visto as pernas de fora, saio de madrugada, me deixo molhar pela garoa e me transmuto na translucidez.
Estou pronta. Estou lúcida, translúcida, transformada, transsex; transportada por mim mesma.
Estou pronta. Pega a chave, tranca a porta e me deixa pra fora. Estou pronta. Estou feliz.