segunda-feira, 23 de junho de 2008

O Homem do Guarda-Chuva

Em meio a tantos andarilhos em calçada úmida e escorregadia, somente ele, somente um deles, empunhava um guarda-chuva.
E se protegia do gélido suor interpretado pelos pingos da chuva que desenhavam, nos rostos já não mais plenamente secos, um labirinto de lágrimas que condiziam, ou não, com os espíritos destes que, desprotegidos, só andavam.
As roupas, assim, perdiam seus estados sóbrios e mostravam-se desgrenhadas em suas naturezas reais. Os cabelos desmontavam-se para revelar os alvos terrenos dos couros cabeludos. As maquiagens borravam. A pele enrugava e, translúcida, dava visão ao interior dos corpos passantes.
Mas ele, aquele de que dizíamos, que a proteção em mãos portava, isolado da real sensação daquele cotidiano caminhar, mantinha-se íntegro em seus alicerces, seco, aquecido. Sentia-se, obviamente, mais confortável do que os molhados coitados, mas também solitário e hermeticamente isolado sob sua grande e rajada abóbada. Aos poucos suava, um suor glandular e não chuvoso. Os braços cansados da empunhadura a cambiavam vez ou outra. As costas, para evitar um sequer pingo, arqueavam-se e doíam. Os pés congelados entrelaçavam os dedos que em cãibras gritavam. Como era esgotante a necessidade de prazer e aconchego. Como era esgotante o medo da vida presente.
Assim, em um corajoso e diafragmático inspirar, elevou seu polegar ao mais extremistas dos extremos daquele cabo, e em um movimento forte e determinado, apertou o freio de sua integridade humana, deixando cair sobre seus punhos os restos enrugados da estufa que há pouco o protegia.
E percebendo em desespero tardio que aquela chuva já cessara, buscou com os olhos arregalados e temerosos um gota que fosse, de uma calha, de um respingo do asfalto, de uma boca ansiosa. Qualquer gota que o fizesse se sentir parte daquele particular universo, que em seu poder de limpeza, batizasse sua alma e a alvejasse.
E nada... Já estava tudo tão seco.
Foi quando, olhando ao redor, já mais meticuloso e certeiro, viu brotar em um olho infantil o que seria a semente de uma futura lágrima. E num ato de quase cegueira, de grosseria egóica e frágil, tentou com os dedos secos apanhá-la. A lágrima fetal, porém, assustada e inocentemente precavida, voltou rapidamente ao interior daquela criança, deixando o homem do guarda-chuva esfarelando naquela calçada úmida, formando uma lama que pela próxima chuva, e por ela somente, seria lavada.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Por hoje

Hoje, o que eu sinto, é o temor de nada sentir.
Que meu coração grite, com toda a sua coragem, e se deixe chorar.