terça-feira, 29 de julho de 2008

Compre Bem

A: Seu troco, senhor.
S: Obrigado.
A: Próximo, por favor. Nota fiscal paulista? Cartão fidelidade?
S: Ah, desculpe - olhando a nota, depois de já ter aberto uma das latinhas de Skol que acabara de guardar na sacola plástica - o que é isso aqui?
A: É sua salsicha, senhor.
S: Mas tá errado - um gole de cerveja - lá dizia que custava 2,50. Aqui tá marcando 4,25.
A: Não, senhor - analisando a salsicha - o valor é esse mesmo.
S: Não, está errado. Lá dizia 2,50 - mais um golinho da cerveja geladinha.
A: Só um minuto.

Ele sai de trás do balcão. A fila atrás de mim cresce. O moço da salsicha continua sereno, bebendo sua cervejinha.

A: Senhor, é isso mesmo. O senhor leu errado. 2,50 é a Salsicha Compre Bem. O senhor pegou a Sadia, que é 4,25.
S: Mas lá estava marcando 2,50.
A: Sim, estava marcando 2,50 e escrito "Salsicha Compre Bem". A Sadia é outro valor.
S: Então não vou levar. Vou devolver - e outro gole sereno.
A: Só um momento. Oh, Luis, cancela aqui pra mim.

Vem o Luis.

Luis: O que foi.
A: Este senhor pegou a salsicha errada. Ele achou que custasse 2,50.
S: Mas custa 2,50.
A: Não, senhor. Esta aqui não custa 2,50. Esta é a Sadia, custa 4,25. A de 2,50 é a Compre Bem.
Luis: Não dá pra cancelar. Já fechou a nota. Oh, Gislene, vem aqui um pouco.

Vem a Gislene. Eu na fila. Ah, este era o caixa 10 volumes.

Gislene: O que foi?
S: Lá estava escrito 2,50 e na nota saiu 4,25.
A (já bem alterado): 2,50 é a Compre Bem. 4,25 é a Sadia. Ele pegou a Sadia, achando que era 2,50.
S: Eu não vou levar - a latinha de cerveja já quase acabando.
Gislene: Não dá pra cancelar o item. Precisa cancelar a compra toda e devolver 4,25 pra ele. Depois precisa passar a compra de novo, sem a salsicha. O senhor não vai querer a salsicha, né?
S: É 4,25 ou 2,50?
Gislene: Depende da salsicha, moço. A Compre Bem é 2,50. O senhor vai querer a Salsicha Compre Bem?
S: Não, eu queria essa daqui. Tava escrito 2,50, mas aqui saiu 4,25, então não vou querer. Vou devolver.
Gislene: Tudo bem. Cancela a compra dele, devolve 4,25 e depois passa tudo de novo, sem a salsicha. O senhor não quer mesmo a Compre Bem?
S: É 2,50 ou 4,25?
Gislene: É 2,50.
S: Então porque saiu aqui 4,25?
A: Porque essa não é a Compre Bem! A Compre Bem é 2,50. Essa é a Sadia. O senhor quer que a gente pegue a Compre Bem?
S: Não é essa aqui?
Gislene: Não, essa é 4,25. A Compre Bem é a outra.
S: Quanto é a outra?
A: 2,50.
S: Não, não vou querer não. Vou devolver.
A: Tudo bem, Gislene. Obrigado.

Era uma segunda-feira. Fim do dia. As filas ao lado estavam enormes, enormes. Eu tinha menos de 10 volumes. Eu não merecia passar pela saga da salsicha. Até uma velhinha japonesa, com um chapéu de palha pendurado no pescoço se irritou e saiu da fila. Havia um silêncio constrangedor, um absurdamento latente, mas ninguém falava nada. Ou esperava, ou desistia, e ele bebia cerveja, como se aquilo fosse uma conversa de boteco. Eu estava com um sentimento estranho: um mix de raiva, indignação e alegria. Aquilo foi estranhamente engraçado.

Um fato importante. Não aconteceu no Rio de Janeiro. Aconteceu em São Paulo mesmo.

sábado, 26 de julho de 2008

Um brinde... Adeus!

Acho que o maior sinal de que estamos envelhecendo é a transformação de nossa relação com a morte. Não só com a nossa, mas com a dos outros.
Quando crianças, ouvimos falar de mortes, longes, distantes. A morte de pessoas que, quando nascemos, já estavam mais pra lá do que pra cá, ou se não, morte de pessoas que nós, por ainda sermos verdes, não tivemos a chance de conhecer a fundo, pessoas que não participaram de nossas vidas. E isso fica distante, como uma tela pendurada, da qual somos apenas observadores.
Sábado passado, morreu Dercy. E eu fiquei extremamente emocionado com sua ida. Chorei, fiz questão de propor brindes e brindes, e se tivesse peitos, eu os mostraria em sua homenagem. Se fosse dez anos atrás, seria mais um dado, mais uma notícia. Sábado passado, foi uma vivência.
Eu não a conhecia a fundo, e nem era um grande fã, apesar de tirar o chapéu pela sua trajetória e pelo seu papel na história dos palcos brasileiros, história da qual sou também personagem, ainda em começo de gênese, mas sou. Enfim, de qualquer forma, ela fez parte da minha existência. Fez parte do meu in e con scientes. Deu tempo.
E isso tende a se intensificar. Hoje, digo que não temo a morte. Não a minha. Mas que medo eu tenho de nunca mais poder abraçar os que eu amo.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Paulicices

Ele, um velho mendigo, com um dos olhos tapados por um pedaço de pano sujo, que um dia fora uma gravata de um executivo da Avenida Paulista.

Ele, um velho manco e bem vestido, com um sorriso estampado nos olhos, vindo de um lugar desconhecido, indo a um lugar desconhecido.

Ele, um velho negro com uma pequena folha verde nas mãos, caminhando na Rua Augusta, em meio a hypes, intelectuais, artistas, e prostitutas.

Ele, com um dos olhos tapados, vagando por lojas de decoração da Baixa Teodoro, não pôde enxergar direito, por estar com um dos olhos tapados, ou por estar exageradamente bêbado, e ao meio.

Ele, manco mas sorridente, enxerga exatamente três figuras entrando no elevador de onde ele saia, rumo ao desconhecido, e além das três figuras enxerga.

Ele, com os ouvidos absolutos cansados de buzinas e gritos, encontra conhecidos em uma mesa na calçada, e senta.

Ele, não enxergando direito, vê na fachada de uma das lojas, um ornamento dourado em contraste com a parede de granito preto, enorme e redondo, que para nada deve servir, mas que para ele é um cofre gigante que esconde tudo o que a ele falta.

Ele, enxergando além das três figuras, observa em especial o antebraço do entregar da padaria vizinha, que acabara de entregar uma média e um pão na chapa à secretária do escritório, e que agora entrava no elevador de onde ele saia, para voltar à padaria.

Ele, cansado das buzinas e gritos, e especialmente cansado do riso escandaloso da amiga do amigo que na mesa da calçada sentado estava e a quem ele se juntara, leva a pequena folha verde à boca.

Ele, decidido a abrir aquilo que para ele era um cofre, mas que sabemos nós que para nada servia, segura firmemente o ornamento dourado e em um impulso de toda a força que lhe resta, tenta primeiramente girar, na obviedade de ser um cofre, e não conseguindo nem um movimento do ornamento, puxa.

Ele, observando o antebraço do entregador, além de pele, ossos e nervos vê a fechadura que ele sempre buscara, a fim de encaixar a chave que com ele nascera, e que ele sempre carregara.

Ele, cansado de tanto silêncio barulhento e levando a pequena folha verde à boca, começa a emitir notas de um trompete, calando o riso escandaloso da amiga do amigo, e calando qualquer som despropositado daquela madrugada.

Ele, que mesmo puxando não consegue nada, junta os cacos de sua força embriagada, e apoiando os pés na parede de granito da fachada, e agora acompanhado de um grunhido como efeito sonoro, mais uma vez, puxa.
Ele, vendo a tão sonhada fechadura para sua chave no antebraço daquele entregador, ataca com a chave imaginária em punhos, e a enfia com finco na fechadura que só ele via, e que nós sabemos que não havia.

Ele, na proeza de produzir um bolero com a pequena folha que em seus lábios pendia, abrilhantava uma rua suja e continuava silenciando a gritaria.

Ele, com um dos olhos tapados e cansado de tanto tentar e nada conseguir da vida, esbraveja, xinga, se lembra por um milésimo de tempo do porquê que é mendigo, cambaleia e decide tentar seguir caminhando.

Ele, percebendo que sua fechadura não era nada além de um antebraço de uma figura desconhecida, por dentro rindo da cara de questão do espantado entregador, segue por fora só sorrindo, com o mesmo sorriso com o qual a pouco saíra do elevador, e rumo ao por nós desconhecido, continua mancando indo.

Ele, soprando na pequena folha verde o resto da última nota de sua melodia, recebe os aplausos que tanto merecia, sorri com orgulho, e se apresenta “O Folhinha”.

Erikah Badu

Será que o que sinto, sinto?
Ou será que o que quero, sinto?
Mas quando não quero e sinto
Ou quando quero e não sinto?
Então, sinto o que sinto.
Mas o que hoje sinto
Amanhã já não sinto.
Será que minto?
De onde vem o meu pinto?

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Especial

É inevitável sentir-me especial no dia do meu aniversário. Pessoas que me amam expressando esse amor, pessoas que não me amam tanto esforçando-se para fingir que sim, e algumas pessoas que não me amam mesmo, perdendo seus tempos para mentir que sim. De qualquer forma, somos lembrados e pensados por todos que estão à nossa volta – ou, pelo menos, pelos que têm a ajuda de um orkut; passamos com um certo destaque pela mente, e/ou pelo coração, dos que nos conhecem.
E como é bom, e importante, receber votos.
Eu... Fico um pouco nervoso. Sendo uma vergonha para meu signo, não sei direito me sentir especial. Sei me sentir assim quando estou agradando alguém, mas não sendo agradado. Quando estou realizando algum tipo de proeza, algum tipo de trabalho, algum grande gesto filantrópico, até que tudo bem me sentir especial. Mas me sentir especial pelo simples fato de existir... Meio difícil, para mim. Ganhar presente, então... Quase peço desculpas.
Ah, o eterno aprendizado de aprender a só receber...
Sinto que tenho tanto a agradecer por ter pessoas especiais à minha volta; sinto que tenho tanto a agradecer por estar vivo e por poder respirar para soprar velinhas, que fico mesmo nervoso. Que peço mesmo desculpas. E aí.... Eu choro. Choro por qualquer palavra mais sincera, por qualquer gesto recebido. Passa nos meus olhos o filme retrogrado da minha vida várias e várias vezes. E filosofo, mais do que nunca. E me preencho de sentidos e de significâncias. E olho para cima, sentindo-me parte especial deste todo, e... Choro. E o telefone toca incessantemente... E a caixa de e-mails lota. E eu? Eu choro...
Piegas, eu sei. Mas para mim, é realmente um reveillon. Aliás, choro bastante no reveillon, também. Choro bastante em finais de filmes e livros, também. E em finais de novelas que eu nem assisto. Finais de ciclos. Finais e Reinícios... Choro. Lavo a alma, por poder sentir na pele, sentir minha pele, meu pulso, meu ar. Feliz Ano Novo para nós, então, meus amigos e meus amores! E, pra ficar um pouco mais fácil... Obrigado!

terça-feira, 22 de julho de 2008

Última consideração

O Homem sofre de Amor, porque o Homem não sabe Amar.

Definitivamente... Às bananas!

Réplica Presumida

“Para você é fazer dizer. Você tem um amor”

Não, eu não Tenho um amor. Eu Amo!

“Tudo bem, você tem a quem amar”

Tenho...
Você não?

Comamos Bananas!

Quanta gente por aí sofrendo de amor... Ou da falta dele, ultimamente. Que febre!
Pessoas inteligentes além do comum, talentosas além do comum, bem sucedidas de uma forma ou de outra... Quanto medo de morrer só por aí. Que febre! Que amor?
Quanta gente rodeada de gente sentindo-se só. Quanta gente só, sentindo-se só. Quanta gente inserida no mundo sentindo-se fora dele, por não ter outra pessoa ao lado. Quanta gente com outra pessoa ao lado sentindo-se fora do mundo por não perceber a pessoa ao lado. Quanta gente inserida no mundo sentindo-se só por não perceber o mundo ao lado. Quanta carência... Quanto vazio... Que amor?
Aos poucos deixa de ser real, e passa a ser modelo de comportamento. Aos poucos passa a ser assunto único de mesa de bar. Aos poucos, só serão aceitos na sociedade os que se queixam de estarem sós. Aos poucos, torna-se fashion. Aos poucos, torna-se hippiechic. Que charmoso me sinto quando sofro de amor... Ou da falta dele. Quanto amor desperdiçado. Amor?
Quanto apego. Quanta infidelidade. Quanta pieguice. Quanta banalidade.
Me pergunto: de que adianta tantos avanços tecnológicos, tanta tecnomusic, tanta psicobioenergofilosofia, tanta literopoesia, tanta cinedançadramaturgia, tanto conhecimento adquirido, ou não, tantas palavras lidas, ouvidas ou vividas, ou não, tantos churrascos, tantas festas e caipiroskas, se, no fundo, tudo se resume ao velho ritual de acasalamento do mundo animal. Acabemos com toda a arte do mundo, senhores! Acabemos com todos os textos do mundo, senhores. Acabemos com o dinheiro e com o corporativismo, senhores. Sugiro que seja matéria única nos colégios. Sugiro que seja o único filme nos cinemas. Sugiro que seja o único seriado nas televisões. O Reino Animal – Como me acasalar? Os ciclos de vida destes que nascem, matam para comer, se matam para encontrar um parceiro, acasalam-se, comem bananas juntos e morrem. Se, no fundo, a vida é isso só; se, no fundo, ser um animal consciente de si serve somente para sermos conscientes dos sofrimentos que a falta disso causa; se somos bichos conscientes e não entramos em contato com nossa própria consciência; se não podemos nos ter, mesmo sabendo que aqui estamos; se precisamos tanto do espelho que é o outro, voltemos aos chipanzés, senhores, e cocemos mais nossos sacos. Percamos menos tempo sonhando; percamos menos tempo trabalhando; percamos menos tempo tentando entender; percamos menos tempo criando; percamos menos tempo inovando; percamos menos tempo tendo de ser... Comamos bananas! Mas não a sós! Ao lado de outro qualquer. Qualquer não: da mesma espécie!