terça-feira, 29 de abril de 2008

Real

Sou a cada dia mais adepto da verdade. Não falo da verdade dos fatos, da verdade de discurso, nem sequer de pensamentos. Falo da verdade da alma.
Quando a alma está em contato com a verdade, e se permite sentir e buscar o que para si é o real, aqueles que presenciam este momento se embebedam de emoções e se contagiam por esta alma terceira, verdadeira.
E esta alma, por sua vez, não precisa mostrar nada a ninguém. Ela é, neste momento, o todo. Não precisa dizer nada, e nem fazer apologias ao que sente, ao bem que buscou e encontrou, ou tentar doutrinar o outro, dizendo querer o seu bem, dizendo querer que se sinta como ela se sente. A alma fiel a si é, per se, transmissível. E desta forma, pode ser triste, pode ser brega, pode ser fria, pode ser ridícula, pode ser o que quiser. Aqueles, que a estarão observando, se sentirão vivos.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Lata Velha

Eu recolhia latas. Dessas de refrigerante. Elas pagavam minha dose de aguardente. Eu enfartei andando na calçada, na zona nobre da cidade. Agachei. Levei a mão direita ao lado esquerdo do peito, e a mão esquerda ficou segurando as quatro latinhas que eu tinha conseguido naquela manhã. Uma de Fanta Laranja, uma de Sprite e duas de Coca-Cola, ambas não lights. A Fanta era light, eu acho. Eu permaneci agachado, olhando para frente, me lembrando de respirar entre cada pensamento de medo que me ocorria. As pessoas passavam por mim. Me lembro disso. Me lembro de haver muitas pessoas. E carros. Havia carros. E barulho. Muito barulho. Lembro que quando caí, fiz o impossível para não amassar as latas. São essas, ó, que trago aqui comigo. Será que aquele senhor de branco... Aquele ali, com a barba grande. Será que ele troca? Por quanto?

terça-feira, 15 de abril de 2008

Promessa

Estive me lendo, hoje. E me percebi extremamente chato e melancólico. Está certo que dentro dos limites da minha bipolaridade, tenho direito a uns dias de fossa. Mas notei que minha escrita tem girado, somente, em torno dessas fossas.

Está tão fora de moda estar na fossa!

Me desculpe, caro leitor, por este fardo que venho lhes fazendo carregar.

Prometo ser mais levinho a partir de amanhã.
Se o amanhã vier...

Que título?

Imagino quão profundo pode ser o vazio; quão carcereira pode ser a timidez; quão destruidora pode ser a raiva; quão forte pode ser a fraqueza.

Já passei do medo à vergonha, da vergonha ao ódio, do ódio à tristeza, da tristeza à compreensão, da compreensão à chateação, da chateação à pena, e também eu não sei mais para onde posso caminhar. Até culpa já senti. Hoje só posso rezar. E torcer. E me perguntar mil por quês, sempre sem respostas.

Difícil é ter de esperar. E saber que quando chegar, chegará a algum extremo. Ou virá o melhor, ou chegará o pior. Difícil é não saber o quê. Difícil é não poder prever. Difícil é a angústia das mãos aprisionadas e da terrível impotência.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Defeituoso

Pior do que a raiva do outro, e a raiva de si mesmo.
Pior do que o vexame, é a vergonha de andar na rua.
Pior do que ter feito, é o defeito.
Pior do que não ter feito, é ter feito pior.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Choro por choro

Há dias em que sinto uma inexplicável vontade de sair chorando pelas ruas. Não em um escândalo, muito menos triste... Simplesmente andar chorando, da mesma forma como respiramos ao andar. Chorar sem parar. Falar com os outros, chorando. Pedir um sanduíche, chorando. Encher o tanque, chorando. Chorar enquanto como, enquanto durmo, enquanto canto. Chorar mesmo que rindo. Chorar ao fazer exercícios, chorar ao escrever meus e-mails, ao falar no telefone, ao fechar um contrato, ao responder um boa tarde. Nada, nada... Só sair por aí, chorando. Por chorar. Nada, nada...
Como somos carentes, nós, homens modernos. Como somos carentes, nós, homens urbanos. Sou carente do meu choro, que há muito não me lava.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Aristotecnia

E foi quando o galo gigante saiu pela porta giratória e desfilou, solenemente, em meio aos carros luxuosos da alameda. É por isso que eu digo, meu filho. Pense na macarronada espessa. Os russos, sim, urinam com maior prazer.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Limpeza

Pode limpá?
Incrível!
Pode limpá, moço?
Como cresceram... Seus filhos, como cresceram!
Moço, só um trocado. Posso limpá?
Outro dia mesmo, eram tão crianças... Já estão mocinhos...
Ó, tô limpano...
E a menina, então... Uma princesa. Que saudade de vocês.
Inda tá fechado, moço. Pode limpá tráis?
A gente precisa marcar alguma coisa lá em casa. Que feliz em ver vocês. Que família linda. Tão unidos.
Pronto, moço. Tem um trocadinho?
O sinal já vai abrir. Se não, eu desceria do carro. Que vontade de dar um abraço em todos. Sabe que os considero parte da minha família, não sabe?
Moço, tem um trocado?
Um jantar! Vamos marcar um jantar. Quero saber das novidades... Como está a vida de cada um...
Caralho. Só um trocado, porra!
Manda um beijo pra todo mundo. Diz que eu passei aqui.
Deiz centavo!
Prazer em revê-los!
Cinco!
Até mais... Preciso ir! Olha... Que surpresa boa! Até!
Um centavo, moço! Um centa...