sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Folhetim Vagabundo - História 5 - Capítulo Final




Leia o início desta história aqui!



Bom dia, São Paulo! Eram 6h20 da manhã. Helena saltou da cama num grito. Estava em sua casa e dormia de lingeries e salto alto. Seus olhos de maquiagem borrada passaram despercebidos ao espelho, que a viu escovar rapidamente os dentes e prender um desgrenhado rabo-de-cavalo para sair. Estava atrasadíssima.
Na portaria, passou como um raio por Seu Jorge e não percebeu o beijo e a piscadela de olho esquerdo que ele mandou para ela.
Comprou o jornal na saída do metro e correu ofegante para o prédio da polícia. Devia parar de fumar tanto, pensava.
Entrou, pegou um café horrível, sentou. Apanhou o canivete, o maço de lápis sem ponta e começou seu ritual de espera pela próxima vítima. O dia estava nublado e o escritório muito escuro. O cheiro da sala naquela manhã estava estranhamente ruim, um agridoce fétido. Seria sempre assim e nunca havia percebido, se indagava. Como é bela a proeza da rotina em se reinventar dia após dia.

Então ela chegou. Papel em branco sobre a mesa, lápis afiadíssimo.
- Nome?
- Camila Santos.
- Idade?
 
Estava nervosa e chorava muito. Mais um caso de estupro, desta vez no estacionamento de um prédio. Pobres mulheres. Como são frequentes os casos de estupro nesta cidade. Deveria tomar mais cuidado.
 
Camila Santos não fumava. Seu fôlego devia ser impecável. Ponta de inveja. Seu desempenho na cama devia ser um arraso. Se eu fosse homem, pensava enquanto desenhava, também teria vontade de estuprar uma Camila Santos.

Findada a descrição dos olhos do estuprador, Helena sentiu a contração de seus pulmões. Não podia ser. Mais um rosto conhecido! Olhou para a vítima, que buscava uma escova na bolsa para pentear os cabelos desgrenhados, e a observou soltar o rabo-de-cavalo que a prendia, balançar suas mechas louras e alisar sensualmente seus lindos fios dourados. No dorso da mão que segurava a escova, uma estrela tatuada.

A visão de Helena escureceu. Em choque, avistou no jornal que estava sobre a mesa uma pequena nota no canto inferior direito, ilustrada por um rosto desenhado em retrato falado. Era o desenho dela. Era o rosto de Marcelo, dado como desaparecido na noite anterior, visto pela última vez saindo na companhia de uma mulher desconhecida do Teta Jazz Bar, onde havia trabalhado naquela madrugada.

Buscou novamente o rosto de Camila, que não estava mais à sua frente. O que via agora, era arrepiante. Percebeu tudo. Percebeu-se.

O prédio da Polícia Federal, para onde ia automaticamente todas as manhãs, estava abandonado há vinte anos. À sua direita, um aparador com garrafas térmicas velhas, cada qual etiquetada com o número de cada andar daquele prédio, ao lado de outra etiqueta que anunciava em letras garrafais, CAFÉ DOCE.
Ao olhar à sua volta, Helena sentiu uma forte contração no estômago. Não estava sozinha naquela sala. Em cada uma das mesas do departamento havia um corpo sentado. Corpos de homens. Corpos de homens conhecidos. E escondendo o rosto de cada um deles, seus próprios retratos falados, presos por lápis que furavam-lhes os olhos, tanto os dos desenhos, quanto os das vítimas.

Helena saiu daquela sala em desespero e correu por todo o prédio, por todos os andares. Somente o primeiro estava vazio. Todas as salas, as alas, os guichês, os corredores, todos estavam ocupados por seus homens, seus estupradores, suas vítimas.

Com as pernas bambas, voltou à sua sala e percebeu que na mesa ao lado da sua, estava o corpo de Marcelo. O sangue ainda fresco, ainda escorrendo por trás do papel desenhado.

Num salto, sentiu seu telefone vibrando no bolso da calça. Com as mãos trêmulas, leu a mensagem que havia chegado:

DONA HELENA... DESCULPA EU... LENINHA. NEM ME DEU BOM DIA, HEIN... MELHOR DISFARÇAR MESMO! SE O SINDICO DESCOBRE, TO FRITO. JÁ MARQUEI HORA NO TATUADOR QUE A SENHORA ME PEDIU. VOU HOJE À TARDE. QUERO TE MOSTRAR DE NOITE. O ESTACIONAMENTO VAI ESTAR VAZIO DE NOVO. UMA E MEIA, PODE SER? AQUELE BEIJO NA COXA QUE A SENHORA GOSTOU!

Olhou para o retrato falado fresquinho sobre sua mesa. O rosto do porteiro em desenho parecia muito mais harmonioso do que ao vivo. Por que Deus havia criado os rostos das pessoas, se eu mesma posso fazer muito melhor, se indagava.

Olhou no relógio.

Boa tarde, São Paulo. Eram 12h15. Precisava bater o ponto, tinha uma hora cravada de almoço. Se atrasasse um minuto, tinha seu salário descontado. O RH da Polícia Federal era muito severo. Muito severo mesmo. Depressa, apanhou a bolsa e o jornal sobre a mesa, e saiu do prédio.

Enquanto comia sua picanha mal passada de praxe, lia assustada uma nota no jornal sobre o desaparecimento de seu vizinho, o saxofonista. Pesarosa, pensava que não poderia ajudar. Não prestava para nada mesmo. Estava em excesso naquela sociedade. Sequer sabia os nomes de seus vizinhos, das pessoas que a rodeavam no dia-a-dia. Olhou para a garçonete que trazia o cigarro que ela havia pedido. Pobre garçonete. Poderia ser vítima de estupro a qualquer momento.

Qual é o seu nome?
O meu? Cristina. Cristina Sales.

No dorso da mão de Cristina, uma tatuagem de estrela lhe pareceu estranhamente familiar...


Leia o primeiro capítulo da História 6 aqui! Mas só segunda-feira!

Um comentário:

Ju Hilal disse...

Very Lynch, my dear.
Well done.