segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Folhetim Vagabundo - História 4 - Capítulo 1
Eram precisamente dez horas e dois minutos daquela manhã de sábado.
O local do encontro, vazio e em espera, recebia fortes raios de sol e ainda cheirava a desinfetante. Encontrariam-se lá, pontualmente às onze e um, e teriam a última chance de se livrar do enorme peso que carregavam, cada qual à sua maneira, há tantos anos.
Seria naquela sala redonda, a derradeira reunião dos líderes intelectuais.
Seria naquela sala redonda, a criação da mais perfeita de todas as obras artísticas já elaboradas pelo Homem.
Teriam para isso apenas doze horas. Apenas meio-dia. E por conhecerem há tempos o desafio, tinham agora apenas 59 minutos para esquentarem seus heróis, seus neurônios.
Na verdade, 58. Já eram precisamente dez horas e três minutos daquela manhã de sábado. Que bela merda! Haviam perdido 01 precioso minuto lendo esta rala introdução.
Julia Hilal estava atrasadíssima. Havia acordado duas horas antes para ter tempo de alimentar seu gato branco, dar os telefonemas que precisaria, dar passadinhas em todas as reuniões que havia agendado no mesmo horário, fazer uma aula de dança, uma de fotografia e uma de arte ninja, tomar banho, passar meticulosamente os trinta cremes distintos que usava diariamente, escolher uma calça jeans e uma blusinha preta dentre as duzentas peças de cada que tinha em seu armário, sair, passar no posto para encher o tanque, errar o caminho e poder estar lá, pontualmente, às onze e um.
Julia Palermo estava adiantadíssima e andava de um lado para o outro, sozinha e ansiosa, em frente ao local do encontro. Repassava em sua mente todas as frases que pronunciaria naquela sala, e imaginava as diversas possibilidades de resposta a cada uma delas por cada um dos outros cinco participantes. Acendia um cigarro longo no outro, e soltava fumaça como um dragão enfurecido por não ter podido dormir até às quatro da tarde naquele sábado.
Luana de Souza aparentava estar tranqüila. Realmente acreditava que estava, apesar dos tiques nervosos que a faziam piscar os olhos em uma freqüência de quinhentas piscadas por segundo. Tomava um banho demorado após ter tido sonhos eróticos com um oficial alemão, e pensava se daria tempo de dar um corte moderno aos seus cabelos antes da reunião. Pintaria as unhas de vermelho, vestiria alguma coisa que realçasse suas grandes nádegas, colocaria seus óculos modernos que sempre lhe davam um ar mais jornalístico, mas deixaria a depilação da virilha para o dia seguinte. Afinal, não precisaria se mostrar em trajes de banho ou íntimos para ninguém naquela tarde mental.
Mariana Franco tomava duas neosaldinas e estava de ressaca; física, nunca moral! Havia ingerido uma grande quantidade dos mais variados entorpecentes na noite anterior, e enquanto engolia o segundo comprimido, ainda tentava se lembrar de quem era. Olhava ao redor, não reconhecia o quarto, muito menos o casal que dormia abraçado ao seu lado. Poucos segundos após o último gole de café, já estaria completamente apta a utilizar sua enorme capacidade intelectual em prol daquela nobre causa. Passaria em casa, alimentaria seus cinco filhos, enviaria e-mails urgentíssimos de trabalho ao seu chefe taquicárdico, e estaria lá pontualmente, de cara lavada e olhos brilhantes, focada no objetivo maior, apesar das leves pontadas no estômago e da leve falta de ar.
Ricardo São Thiago estava no banheiro, onde passara a noite em diarréias esgotantes. As mãos trêmulas e a pressão em causar uma boa impressão ao mundo lhe suavam as axilas como nunca. Estudara muito para aquele momento e, agora que estava quase lá, já não via muita graça naquela missão. Pensava em outra. Em outras. E em mais outras enquanto acabava com o quinto rolo de papel higiênico, sua maior despesa mensal. Estava mau-humorado e totalmente sem paciência com o mundo. Tomaria dois litros de café preto norte-americano forte, tomaria dez multas de trânsito no caminho e chegaria no local com um minuto de antecedência – apenas para não deixar transparecer sua ansiedade.
E finalmente, Tatiana Pedra... Bem, ninguém sabia de Tatiana Pedra. Nem ela mesma. Com o violão em punhos, em posição invertida, praticava ioga num gramado distante, diante de uma bela cachoeira, e compunha uma bela canção inédita que enriqueceria ainda mais o repertório musical dos brasileiros carentes da boa música. Pensava na picanha argentina que almoçaria, no forró de mais tarde, e nos braços fortes do garoto ingênuo que levaria para casa naquela noite, em quem daria intensas porradas e chaves de braço que aprendera com sua heroína, Xena, caso ele também brochasse.
Eram precisamente dez horas e três minutos daquela manhã de sábado. Agora, dez e quatro.
Leia o segundo capítulo aqui!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
5 comentários:
Hahahahaha
Seu doido.
Rio ou pedra?
:)
Beijo
Ops...rio ou árvore?
hahahaahaha
Doida.
Hahahahaha. Um mais doido que o outro...
Brilhante, companheiro, brilhante! Adorei, Dudu!
Interessantíssima a leitura que ele fez de cada um....
HAHAHAHHAHA
adorei!
Postar um comentário