segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Um tempo de 1 cigarro

Dois goles de café. Um terceiro.
Cigarro. Isqueiro. Boca. Dedo. Fogo. Pulmões. Fumaça.
Mais um trago que o deixe bem aceso.
Largada no tempo!

A ruiva de vinte anos do escritório de arquitetura chega à maternidade em trabalho de parto. O aposentado sisudo escolhe os números que irá jogar na mega-sena. O motoboy olha no relógio e decide mudar sua rota. O piloto do avião inicia procedimento de bordo. O rapaz apaixonado liga seu computador e não ouve a campainha que toca. O cabeleireiro cansado sente vontade de bocejar. O executivo workaholic na reunião da manha sente a frieira coçar no pé esquerdo.

Sexto trago.

A ruiva de vinte anos já está na sala de parto, asséptica e em esforço. O aposentado sisudo, na fila para pagar o bilhete, se revolta pelos setenta anos de não-sorte. O motoboy pensa no jogo de futebol de ontem à noite, e não vê a babá atravessando a rua com o carrinho. O piloto do avião pensa em ligar para sua esposa e desiste. O rapaz apaixonado lê o último e-mail de seu amado, chora e pensa em morte. O cabeleireiro cansado tenta prestar atenção nas queixas sexuais da madame, mas, na verdade, pensa se boceja ou não, com medo de ficar feio no próprio espelho. O executivo workaholic tem um acesso de fúria no meio da reunião, pelo fato do motoboy estar atrasado com os documentos necessários, e assusta os outros ternos e tailleurs.

Décimo primeiro trago.

A ruiva de vinte anos se preocupa ao ouvir que a bundinha vai sair primeiro. O aposentado sisudo luta contra a sorte, pensando se desiste ou não do jogo, e segura o bilhete como se fosse sua própria vida. O motoboy, ao olhar para frente, aperta o freio com toda a força. O piloto de avião desiste de ligar para a esposa por ver uma luz vermelha piscando. O rapaz apaixonado se culpa e pensa que não sabe o que fazer por ser a primeira vez que é abandonado. O cabeleireiro decide se entregar aos prazeres da vida e boceja o maior bocejo da sua existência. O executivo ouve do chefe, na frente dos outros ternos, que pode passar no RH.

Último trago.

A ruiva de vinte anos ouve o choro do primeiro filho e pensa qual pai vai escolher para ele. O aposentado sisudo joga no lixo o bilhete amassado que contém os números que serão sorteados daqui a dois dias, e nunca irá saber, pois em dois dias estará nas cataratas do Iguaçu, tirando fotos e gastando todas as suas economias. O motoboy decide vender sua moto e chora na calçada, ao ver a criança rindo para ele em seu colo e a babá lhe oferecendo um abraço. O piloto liga para a esposa e diz estar indo para casa, depois de cancelar a decolagem por notar, a tempo, uma falha grave na aeronave. O rapaz apaixonado, com lágrima nos olhos, decide atender à campainha e chora mais ao ver os olhos do amado e as rosas amarelas que ele traz. O cabeleireiro abre os olhos depois do bocejo e assusta com o grito da madame, que acaba de ganhar uma bela falha careca no lado direito da cabeça, e da luta contra o bocejo, passa a lutar contra o riso. O executivo, ao ouvir o chefe, não pensa duas vezes antes de tirar seu sapato esquerdo, arremessá-lo contra o datashow, arrancar sua meia esquerda, jogá-la na cara da colega sardenta e mal-comida, colocar o pé esquerdo sobre a mesa de reuniões e coçar, em gozos, sua frieira do dedão.

Um cigarro.

Muitas vidas salvas.

Uma madeixa perdida.



(Postagem comemorativa - Edição para colecionadores - número 100)

Hoje a bolsa fechou em queda!

Hoje a vida não está boa. Hoje.
Há esses dias, não há? Em que acordamos preocupados, dias de surto de realidade.
Freqüentei ares antigos e percebi poucas mudanças. Percebi que talvez quisesse não haver mudado junto. Ou que, se tivesse ficado, se tivesse engolido meus próprios sapos, talvez estivesse mais satisfeito, com menos fome.
A fome... A fome que impede que sintamos o verdadeiro gosto da refeição. Que nos ilude, que nos mascara por dentro.
Dia púrpura... Púrpura escuro, quase negro.
Quanta bobagem por aí... Bobagens gratuitas e pagas. Quanta injustiça, não? Complicado manter a sobriedade da construção do caminho. Complicado aceitar as mazelas como parte do processo.
Quantos eternos começos! Quantos poucos fins!
Entendo bem a saída de incêndio nesses dias. Entendo muito bem...
Com licença, vou me afogar em cobertas felpudas e duchas fortes. Não sei ainda se nesta ordem, ou se em ordem inversa...
É, talvez prefira os inversos. Talvez prefira os invernos nestes dias vermelhos da minha bipolaridade!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Às Vezes

A Mãe dá banho no pequeno filho.

- Mãe, quantas vezes na vida eu vou precisar tomar banho?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, e escovar os dentes? Quantas vezes?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E limpar a bunda depois de fazer cocô?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

A Mãe passa a camisa do pequeno adolescente.

- Mãe, quantas vezes na vida eu vou precisar arrumar a cama?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, quantas vezes na vida eu vou precisar comprar camisinha?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E encher o tanque do carro? E fazer a barba?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

A Mãe prega o cravo no fraque do pequeno noivo.

- Mãe, quantas vezes na vida eu vou precisar esperar do lado de fora das lojinhas?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, quantas vezes na vida eu vou precisar declarar o Imposto de Renda?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E comemorar o Natal? E pular ondinhas? E jantar com os sogros? E discutir a relação?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

A Mãe enxuga a baba do queixo do pequeno pai.

- Mãe, quantas vezes na vida vou precisar ir a festinhas?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, quantas vezes na vida vou ouvir ‘eu não pedi pra nascer’?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E pagar pelos brinquedos? E pelos cursos? E não dormir de preocupação?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

A Mãe ajeita a gravata do pequeno pai do formando.

- Mãe, quantas vezes vou chorar de saudades?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, quantas vezes vou desejar ter feito tudo diferente?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, e fazer telefonemas? E esperar por eles? E me sentir só?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.


A Mãe segura nos braços do pequeno pai do noivo.

- Mãe, quantas vezes vou me lembrar deste momento?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E pensar no que fazer agora?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E me sentir envelhecido?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

A Mãe olha nos olhos do pequeno avô.

- Mãe, quantas vezes vou repetir a mesma história?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, quantas vezes vou me preocupar com novas dores?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, e mostrar a foto dele? E dizer que o amo?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

O Filho segura nas mãos da pequena mãe.

- Mãe, quantas vezes vou ouvir ‘eu te amo’?
- Poucas vezes, meu filho. Poucas vezes.
- Mãe, quantas vezes vou ter medo da morte?
- Poucas vezes, meu filho. Poucas vezes.
- Mãe, quantas vezes te disse ‘eu te amo’?
- Nenhuma vez, meu filho. Nenhuma vez.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Orlando e Penélope

Olha Penélope, eu tô de saco cheio de ser o casal de frente. Da próxima vez, a gente chega primeiro. Não me importa se seu cabelo vai estar eletro-frisado, se o batom vai estar borrado, se seus cílios postiços estiverem caindo ou se sua calcinha estiver marcando. No jantar de amanhã, nós vamos ser os primeiros a chegar e não vamos ser o casal de frente.

Orlando e Penélope tem o hábito de sair para jantar com mais dois casais de amigos, todas as sextas-feiras, faça chuva ou sol, seja a semana de posse de Barack Obama ou não.

Puta que o pariu, Penélope. Eu ganho mais que o Carlos Eduardo. Você é muito mais magra que a Regina. A perna da Fabiola parece um mapa rodoviário perto da sua, de tanta varize. E o Paulo Fabio tem um puta mau hálito. Não é justo que a gente seja sempre o ‘casal de frente’ e eles se regozijem toda noite sendo os ‘casais de lado’.

Acontece que Orlando e Penélope tem o hábito de chegar um pouco atrasados nestas ocasiões, devido à quantidade de fechaduras que devem ser trancadas ao saírem de casa (mania de Orlando), devido às sete trocas de calcinha (mania de Penélope), devido à procura da chave do carro (distração de Orlando), devido ao perfume exagerado e ao segundo banho depois de toda pronta (desajuste de Penélope), devido à desorientação espacial e aos erros dos caminhos (defeito de Orlando) e devido à verborragia que contribui imensamente para os erros dos caminhos (defeito de Penélope).

Sabe o que mais me incomoda em ser o casal da frente? Sabe? Aquele limbo entre o fim da sobremesa e o cafezinho, quando eles começam a se beijar e a dizer segredinhos ao pé do ouvido. A gente fica olhando um pra cara o outro, com uma mesa entre nós, sem ter nada para fazer. Não podemos olhar para um lado, ou eles podem achar que somos pervertidos e que estamos interessados em demasia em suas carícias privadas. Não podemos olhar para o outro ou os outros clientes podem pensar que nós não nos suportamos e que somos um casal sem assuntos. Aí ficamos olhando um pra cara do outro, eu morrendo de vontade de fumar um cigarro sem poder, porque Paulo Fabio é asmático, e você Penélope, você fica com aquele sorrisinho amarelo por fora, mas fazendo aquele lance da língua nos dentes que você tem mania de fazer quando está sem graça, que faz um barulhinho que parece grunhido de rato, bem baixinho, que ninguém ouve mas que para mim parece uma britadeira.

Orlando e Penélope, ao chegarem atrasados, acabam sentando-se um de frente para o outro, numa mesa em que os outros casais – Carlos Eduardo e Regina, Paulo Fabio e Fabiola – já se encontram devidamente acomodados um ao lado do outro.

A gente precisa convidar um quarto casal para jantar conosco. Oito pessoas. Assim ninguém vai precisar sentar de frente. Se bem que... Não, deixa como está. Eu quero ter o prazer de ver o bafudo do Paulo Fabio sentando de frente com a trama ferroviária daquela mulher dele. Vou fazer questão de enfiar a língua na sua orelha no momento cafezinho. Vou passar a noite toda dizendo segredinhos ao pé do seu ouvido. E eu vou ser o primeiro a receber a conta. Vou ter o imenso de prazer de dizer ao Carlos Eduardo “cada um paga o seu”, sem essa de rachar em três. Quero só ver a cara dele praquela balofa que come couvert, entrada, primo piatto, secondo piatto, sobremesa, sobremesa, sobremesa, dois cafés e licor digestivo com um copo de água com Eno no final. Aposto que é pra caber a ceia quando ela chega em casa. Há-Há.

Penélope ouvia tudo atentamente, fazendo o barulhinho de rato que lhe é tão característico.

Pára com essa porra de barulho! Que saco!

Penélope parou de fazer o barulho. E logo em seguida, abriu a boca para pedir o divórcio.

Divorciaram-se. Orlando, contudo, contratou uma garota de programa no dia seguinte, para acompanhá-lo no próximo jantar. Treinou-a como àqueles cavalos que dançam Cavalleria Rusticana. Fez que fez que, no fim, Dida estava conseguindo reproduzir fielmente o tique de Penélope, e até mesmo suas manias de sete calcinhas e de dois banhos. Porém, sendo uma profissional que era, estava pontualmente pronta para o grande evento.

Chegaram com duas horas de antecedência. Os garçons ainda fumavam seus cigarros do lado de fora do elegante restaurante.

Sentaram-se gloriosamente. Um ao lado do outro. Orlando não se conteve e sentiu uma certa contração perineal, como costumava sentir nas noites de sexo às quartas-feiras com Penélope. Ah, Penélope... Olhou no relógio.

Estranho, Dida. Estranho. Estão meia hora atrasados. Devem ter se perdido. Há! Babacas.

Quatro horas depois, Dida, já levemente pálida devido à hipoglicemia em seu sangue, solicitou educadamente que fossem embora e que passassem no Mc Donald´s para que ela comesse um lanche.

Orlando, indignado, cedeu.

Fascistas! Tradicionais! Devem ter descoberto meu divórcio. Esse tipo de gente não sai com divorciados! Filha-da-puta, aquela Penélope. Filha-da-puta!

Penélope, no restaurante da frente, jantava com seu ex-amante, futuro-marido, e brindava sua nova vida.

Os dois casais jantavam também, agora quatro pessoas sentadas lado-a-lado, como de costume, e comentavam sua decepção ao assistirem o discurso de Orlando - aquele em que ele os insultava energicamente - pelas câmeras ocultas que haviam mandando instalar em seu apartamento, cuja finalidade inicial era fetichista, mas que acabou rompendo uma linda amizade e uma grande tradição gastronômica de dois meses.

Ao sairem do restaurante, iriam para o clube de swing de sempre, do qual sempre excluiram Orlando e Penélope. Orlando pelo mau cheiro em suas axilas e Penélope pela tonalidade da tintura loira em seu cabelo, que consideravam demasiadamente vulgar.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Óleo mancha.

Um pequeno pedaço de berinjela ao alho se desequilibrou como ela e caiu na roupa que havia sido trazida da Itália. Óleo mancha.
Ela se levantou bruscamente olhando nos olhos dos que não a acompanhavam naquele jantar. Tremia um pouco, o ar completamente preso em seus pulmões já por segundos significativos. Segurava um grito que não podia soltar, não queria; não sem ter quem a ouvisse. Olhou ao redor. A letra do samba que há pouco a transportava ao seu passado, agora a trazia eternamente ao desiludido presente. A foto do filho cuja voz não mais conhecia no porta-retrato. Vontade de passar a mão no telefone e falar com ele, mas já não sabia mais de cor, o telefone. Agora eram muitos números, e a incerteza de que ele seria o primeiro a atender. Talvez viesse a outra, com quem não poderia gritar como gostaria. A comida fresca brilhava no prato. Havia alguns grãos de cuscuz no chão. Na dúvida entre limpar ou deixar que lá amanhecessem, sentou-se novamente. A respiração agora era ofegante, e a lágrima latente esforçava-se para deixar o olho esquerdo. Não iria chorar. Não queria; não sem ter quem a visse. Bebe um gole do vinho rosado que agora lhe descia mais ácido que o vinagre em que se transformaria. Sente náuseas e a vontade de se regurgitar por inteiro. Puxa o ar, que se recusa a entrar. Tenta novamente. A guerra contra a lágrima mostra sinais de derrota. Respira mais uma vez, sem sucesso. A foto do filho. Os olhos dele, que não lembravam os dela. A mancha na roupa nova, que vestiu hoje pela primeira vez para jantar em sua própria companhia. A roupa que ninguém havia elogiado, porque ninguém havia visto. A garganta fechada, a pontada no peito, a náusea, a lágrima. O chão sujo sob seus pés recém feitos no salão. Óleo mancha. O maldito ar que não passa.
Levanta-se impetuosamente e com a faca ainda marcada pela comida por ela preparada, rompe a fronteira do pescoço para que o ar enfim entre e para que o grito saia. E assim se passa. Escorrem todos: a roupa manchada, a faca e a lágrima.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Vamo Q Vamo

Inaugurada, então, a temporada 2009.
Um ano que começou realmente promovendo e sendo promovido, o que é o mais importante.
Interessante como este período pós-inter-férias-pré-carnaval aponta algumas vertentes que serão seguidas durante o ano que correrá. Muitas delas nos mesmos moldes do ano passado, algumas nos moldes de todos os anteriores, e poucas, porém importantíssimas, em moldes completamente novos.
Sinto algo engraçado, como começo de nova temporada de seriado americano. Posso explicar, eu acho. Alguns conflitos são permanentes, seguem sua rota rumo às resoluções que não mostram nem sinal de vida. Outros conflitos, mais recentes, que começaram na segunda metade da temporada passada, ou algo assim, já estão perto de seus ápices, ou passando por eles, ou saindo da tempestade. Novidades pipocam freneticamente na vida de todos. E mais uma temporada se inicia. Deu pra entender a sensação? É que não sou exatamente um Às dos seriados, mas de dramaturgia entendo um pouquinho, então... Enfim, isso é bobagem!
Comecei bem, legal, bacana, tô gostando. Que fique assim ou melhore!
Amigos que sofriam com óculos já enxergam. Temporada da caxumba aniquilada. Amigos que continuam em busca de seus amores. Amores que buscam seus próprios caminhos agindo bravamente. Situações familiares permanecendo. Noticias boas. Noticias ruins. Trabalhos animados. Cursos e leituras revigorantes. Complexos mais tênues, outros mais aguçados do que nunca. Neuroses novas, neuroses surpreendentemente superadas. Planos e planos e planos. Festas, eventos e casa! E vamo que vamo!
2009, o ano que promove, saindo na dianteira!