Olha Penélope, eu tô de saco cheio de ser o casal de frente. Da próxima vez, a gente chega primeiro. Não me importa se seu cabelo vai estar eletro-frisado, se o batom vai estar borrado, se seus cílios postiços estiverem caindo ou se sua calcinha estiver marcando. No jantar de amanhã, nós vamos ser os primeiros a chegar e não vamos ser o casal de frente.
Orlando e Penélope tem o hábito de sair para jantar com mais dois casais de amigos, todas as sextas-feiras, faça chuva ou sol, seja a semana de posse de Barack Obama ou não.
Puta que o pariu, Penélope. Eu ganho mais que o Carlos Eduardo. Você é muito mais magra que a Regina. A perna da Fabiola parece um mapa rodoviário perto da sua, de tanta varize. E o Paulo Fabio tem um puta mau hálito. Não é justo que a gente seja sempre o ‘casal de frente’ e eles se regozijem toda noite sendo os ‘casais de lado’.
Acontece que Orlando e Penélope tem o hábito de chegar um pouco atrasados nestas ocasiões, devido à quantidade de fechaduras que devem ser trancadas ao saírem de casa (mania de Orlando), devido às sete trocas de calcinha (mania de Penélope), devido à procura da chave do carro (distração de Orlando), devido ao perfume exagerado e ao segundo banho depois de toda pronta (desajuste de Penélope), devido à desorientação espacial e aos erros dos caminhos (defeito de Orlando) e devido à verborragia que contribui imensamente para os erros dos caminhos (defeito de Penélope).
Sabe o que mais me incomoda em ser o casal da frente? Sabe? Aquele limbo entre o fim da sobremesa e o cafezinho, quando eles começam a se beijar e a dizer segredinhos ao pé do ouvido. A gente fica olhando um pra cara o outro, com uma mesa entre nós, sem ter nada para fazer. Não podemos olhar para um lado, ou eles podem achar que somos pervertidos e que estamos interessados em demasia em suas carícias privadas. Não podemos olhar para o outro ou os outros clientes podem pensar que nós não nos suportamos e que somos um casal sem assuntos. Aí ficamos olhando um pra cara do outro, eu morrendo de vontade de fumar um cigarro sem poder, porque Paulo Fabio é asmático, e você Penélope, você fica com aquele sorrisinho amarelo por fora, mas fazendo aquele lance da língua nos dentes que você tem mania de fazer quando está sem graça, que faz um barulhinho que parece grunhido de rato, bem baixinho, que ninguém ouve mas que para mim parece uma britadeira.
Orlando e Penélope, ao chegarem atrasados, acabam sentando-se um de frente para o outro, numa mesa em que os outros casais – Carlos Eduardo e Regina, Paulo Fabio e Fabiola – já se encontram devidamente acomodados um ao lado do outro.
A gente precisa convidar um quarto casal para jantar conosco. Oito pessoas. Assim ninguém vai precisar sentar de frente. Se bem que... Não, deixa como está. Eu quero ter o prazer de ver o bafudo do Paulo Fabio sentando de frente com a trama ferroviária daquela mulher dele. Vou fazer questão de enfiar a língua na sua orelha no momento cafezinho. Vou passar a noite toda dizendo segredinhos ao pé do seu ouvido. E eu vou ser o primeiro a receber a conta. Vou ter o imenso de prazer de dizer ao Carlos Eduardo “cada um paga o seu”, sem essa de rachar em três. Quero só ver a cara dele praquela balofa que come couvert, entrada, primo piatto, secondo piatto, sobremesa, sobremesa, sobremesa, dois cafés e licor digestivo com um copo de água com Eno no final. Aposto que é pra caber a ceia quando ela chega em casa. Há-Há.
Penélope ouvia tudo atentamente, fazendo o barulhinho de rato que lhe é tão característico.
Pára com essa porra de barulho! Que saco!
Penélope parou de fazer o barulho. E logo em seguida, abriu a boca para pedir o divórcio.
Divorciaram-se. Orlando, contudo, contratou uma garota de programa no dia seguinte, para acompanhá-lo no próximo jantar. Treinou-a como àqueles cavalos que dançam Cavalleria Rusticana. Fez que fez que, no fim, Dida estava conseguindo reproduzir fielmente o tique de Penélope, e até mesmo suas manias de sete calcinhas e de dois banhos. Porém, sendo uma profissional que era, estava pontualmente pronta para o grande evento.
Chegaram com duas horas de antecedência. Os garçons ainda fumavam seus cigarros do lado de fora do elegante restaurante.
Sentaram-se gloriosamente. Um ao lado do outro. Orlando não se conteve e sentiu uma certa contração perineal, como costumava sentir nas noites de sexo às quartas-feiras com Penélope. Ah, Penélope... Olhou no relógio.
Estranho, Dida. Estranho. Estão meia hora atrasados. Devem ter se perdido. Há! Babacas.
Quatro horas depois, Dida, já levemente pálida devido à hipoglicemia em seu sangue, solicitou educadamente que fossem embora e que passassem no Mc Donald´s para que ela comesse um lanche.
Orlando, indignado, cedeu.
Fascistas! Tradicionais! Devem ter descoberto meu divórcio. Esse tipo de gente não sai com divorciados! Filha-da-puta, aquela Penélope. Filha-da-puta!
Penélope, no restaurante da frente, jantava com seu ex-amante, futuro-marido, e brindava sua nova vida.
Os dois casais jantavam também, agora quatro pessoas sentadas lado-a-lado, como de costume, e comentavam sua decepção ao assistirem o discurso de Orlando - aquele em que ele os insultava energicamente - pelas câmeras ocultas que haviam mandando instalar em seu apartamento, cuja finalidade inicial era fetichista, mas que acabou rompendo uma linda amizade e uma grande tradição gastronômica de dois meses.
Ao sairem do restaurante, iriam para o clube de swing de sempre, do qual sempre excluiram Orlando e Penélope. Orlando pelo mau cheiro em suas axilas e Penélope pela tonalidade da tintura loira em seu cabelo, que consideravam demasiadamente vulgar.
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