Todas as noites, apoiada no parapeito da janela de seu quarto, depois de acariciar-se com a própria camisola e de pentear-se de olhos fechados, ela procurava no céu a sua estrela. Era dela desde criança, desde o dia em que se mudara para aquela casa. Adotara-a com amor e gratidão e cantava para ela, noite após noite, sua música predileta, de modo que, com o tempo o canto tornara-se reza.
Com o passar dos anos, porém, sua reza foi deixando de ser canto e passou a ser súplica. As irmãs, mais velhas e mais moças, mudaram-se todas com seus maridos. Os sobrinhos, pouco a pouco, passaram a ser como filhos. Os pais estavam de memória fraca, de pernas bambas e de cabelos ralos e sua janela era ainda a mesma, mas já de tinta desbotada e de madeira fraquejada.
Suplicava, no início, que sua estrela a trouxesse seu grande amor. Passou a permitir que fosse apenas um amor, depois apenas um carinho, depois uma gentileza, um olhar e por fim uma companhia qualquer.
Em bela noite de lua gorda e pálida, cansada de esperar e olhando fixamente para sua estrela como quem tenta ler os olhos de outra pessoa depois de dizer-lhe muitos desaforos, fechou a janela em sua cara num estacato e passou a madrugada em claro. Raivosa, levantou junto ao primeiro raio, arrumou suas malas e saiu, para sempre, de seu passado.
Mudou-se ao outro lado de seu mundo, e em desespero solitário na primeira noite de janela nova, numa tentativa de redimir-se junto a sua estrela, explodiu em choro convulsivo por não encontrá-la. Saiu ao meio da rua deserta e enevoada para poder ver o céu em amplitude, e nada.
Acordou de olhos inchados e secos, olhou-se no espelho d’água ao lavar o rosto, e vendo-se, lembrou das letras que cantava quando menina. Cantou, primeiro baixinho e depois ao mundo todo. Saiu, tingiu os cabelos e as unhas, passou a olhar para o céu na presença do sol e não mais da lua, ficou mais alta e de olhos mais vivos.
Assim, num fim de tarde em tom de cobre e brisa leve, depois do chá que a aquecera e a confortara, sentiu o toque antes de ouvir a voz daquele que seria o seu primeiro amor.
Naquela noite, apoiada no parapeito de uma terceira janela, depois de ter sido acariciada e de pentear-se de olhos bem abertos, ela não mais procurou a sua estrela. Sabendo de sua existência em algum lugar, agradeceu-a do fundo de sua alma em compreensão; não pelo concedido, mas por tudo que lhe fora negado.
Um comentário:
Du
Li algures, que o importante não é o que os outros fazem com você, mas o que faz de você depois dos outros!
bjs
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