sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Metro V

Sofia chegou em casa ontem como um anjo doce. Me beijou os olhos e até perguntou das minhas coisas.
Fui aos poucos tomando coragem para lhe entregar o presente. Ela propunha que saíssemos para jantar, só nós dois, pois não queria me ver na cozinha depois de um duro dia de trabalho, enquanto eu, casualmente, abria botão por botão de minha camisa listrada em finas riscas feita sob medida pelo alfaiate marroquino da Serra da Mantiqueira.
Quando ela se virou de lado para alcançar o batom dourado na bolsa vermelha, em um só gesto arranquei a camisa e revelei a tatuagem em meu peito. SOFIA, em letras românticas, com o O circundando meu mamilo esquerdo e o S exatamente sobre o coração.
Sua reação foi indescritível! E a pior que poderia ser. Sofia não riu, não chorou, não emitiu um som. Nem mesmo moveu um único músculo de sua linda face. Simplesmente voltou à bolsa vermelha, apanhou seu telemóvel, e trancou-se no banheiro.
Fiquei como uma estátua descamisada no centro da sala. Poucas vezes em minha vida me senti tão humilhado. Tive vontade de explodir em pranto, mas a força da erupção seria tamanha que me rasgaria por dentro até a morte. Então permaneci quieto, sem ar, deglutindo de mansinho cada arrepio de ódio dos poucos pêlos de meu corpo.
Sofia saiu do banheiro alguns minutos depois. Pareceram horas. Sem me olhar no rosto, me entregou num passe um pedaço de papel higiênico rasgado sem o mínimo de cuidado estético, um polígono qualquer de dupla face cheirando a lavanda com um número de telefone anotado em batom dourado.
Depois pegou todas as suas coisas, saiu, e até esta manhã ainda não havia voltado. Liguei para Michele logo cedo, que me atendeu com xingamentos horripilantes por perturbar seu sono matinal. Liguei para os hospitais, delegacias, hotéis, cabeleireiros, e nada.
Quando cheguei no escritório, disquei disfarçadamente para o número do papel higiênico. Que soco na alma levei quando atenderam...

Um comentário:

Anônimo disse...

Du, estou curiosa, pô! E aí, gato? Quero o próximo...

Luli