terça-feira, 4 de março de 2008

A transa

Eles se amavam. Nada mais e apenas isso. Se amavam nos mais perfeitos moldes românticos. Deixavam Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Julia Roberts e Richard Gere, no chinelo.
Nada faziam o dia inteiro, senão pensar um no outro. Imaginavam seus futuros juntos. Imaginavam seus corpos na cama. Imaginavam carícias, beijos e olhares.
Ele, que era mecânico de automóveis, via os seios delas nos pneus carecas; via o brilho dos olhos dela nas lanternas; via a umidade dela na troca do óleo.
Ela, que era astrônoma, via a força dele em Júpiter; a doçura dele em Vênus; via o calor do seu corpo, em Marte.
Com o passar dos dias, o amor se tornou vício. Isolaram-se no mundo. Não sabiam mais o que se passava na política, no futebol, ou na televisão. Não falavam de outra coisa, senão deles mesmos, e para eles mesmos. Perderam os pais, os irmãos, os amigos, e tornaram-se órfãos, apaixonados.
Ele largou o emprego; ela, também. Ela perdeu o apetite; ele, também. Tornaram-se insones, para não perderem-se um do outro durante os sonhos. Não saíam da cama. Deixaram de se tocar, com medo do desgaste. Apenas se olhavam, o dia inteiro.
Faziam suas necessidades em um balde, para não se separarem. E para isso, não viravam as costas - continuavam a se olhar. Os olhos, secos por não mais piscarem, ardiam. As bocas, secas por não mais beijarem, colavam. As mãos, molhadas por nada tocarem, pingavam.
O mundo era ameaçador demais para aquele amor. Bateram na porta, chamaram polícia, chamaram bombeiros, chamaram doutores. Mas nada penetrava naquele universo egoísta e autônomo.
Numa noite, a noite mais incrível delas, sob a lua eclipsada, saíram. Entraram no carro. Dirigiram, com os corpos grudados, por quatro horas até um campo afastado. Em nada mais pensavam, senão no medo de, um dia, se separarem.
Estacionaram o carro sob uma árvore, triste, pois solitária, que observou quando eles deram as mãos, abraçaram-se e, pela primeira vez nos últimos meses, e desta vez, última, fecharam os olhos.
Foram encontrados desta forma – mortos, os dois, como um. Junto deles, duas pistolas. Dentro deles, um único coração – baleado, mas que mesmo depois de enterrado, jamais deixou de bater.

3 comentários:

Anônimo disse...

Pneus!!!!
Eram naturalmente grandes ou seliconados?
Bjs
Dulce

Luiz Alberto Machado disse...

Muito bom seu espaço, meu amigo, parabens, estarei indicando nas minhas páginas.
Abração
www.luizalbertomachado.com.br

Candice disse...

Oi Duduuuu
Ah esses seus textos são demais... Estou exercitando o desapego ao medo, viver, viver é disso que a gente precisa!!
Gostou da Erykah, ela é mesmo demais né! Pode consumir a vontade pq não tem contra-indicação rs...
Saudade amore,
bjinhos