quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

C. D. A.

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente."

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

É Natal?

É véspera de Natal. E eu estou estático. Paralisado com a criança das cinqüenta agulhas na Bahia. Com o vaso de flores na janela, aprisionado pelas grades anti-roubo.
É véspera de Natal e estão querendo me passar a perna.

Saudade de quando o Natal significava reunião de família e férias.
Saudade do Natal que prenunciava a viagem de fim de ano.
Do urso da Coca-Cola que agora virou arte contemporânea sem graça e metida a besta.

É véspera de Natal e não parece.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Especialidade

Só quero que seja especial; mais nada.
Acho que depois de um ano de muito suor, merecemos todos a brisa. Mas estou animado, quero diferenciações. Quero o máximo possível, não o meio do caminho.
Se é para ir, que vá fundo, que vá ao limite, que o lá não seja como o cá, apenas com paisagens diferentes. Que seja vibrante, mágico e inesquecível.
Quero companhia para o risco, para a ousadia, para os saltos.
Mais ou menos não me serve. Bom também não. Ainda não ótimo. Me serve apenas a excelência!

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Folhetim Vagabundo - História 8 - Capítulo 3



Leia o primeiro capítulo aqui!

Em um ritual silencioso, abrimos nosso tesouro e forramos o solo com nossos livros. Sobre eles, nos deitamos e fizemos amor sem dizer uma palavra sequer. Nos vestimos, e num beijo ainda mais doce do que o primeiro, nos despedimos para sempre. Nada sei da vida de João. Se era casado, se tinha filhos, se era feliz... Mas não quis saber. Quis ter dentro de mim o João das minhas memórias de infância. E assim foi. De repente, me ocorreu a possibilidade de ter engravidado de João naquele momento. E somente então me dei conta da dimensão da tragédia que estava por vir. Nunca poderia ser mãe. Liguei para a minha e dirigi até sua casa.
Como a maioria das mães e de suas filhas, sempre tivemos desavenças. Aquela disputa freudiana clássica, que nos impede de nos doarmos inteiramente uma à outra. Cheguei e encontrei-a sentada em sua cadeira de balanço. Sentei-me ao seu lado e juntas tomamos um chá, com torradas pretas e queijo mineiro. Ao fim do último gole ela tocou minha mão e eu dei-lhe um prolongado beijo na face, beijo regado por uma singela lágrima que lhe escorreu pelo rosto. Olhamos para o porta-retrato de papai que ela agarrava junto ao peito e sem dar as costas, como uma plebéia distancia-se de sua rainha, sai.
Olhei para o céu. Estava vermelho. Era um lindo por do sol ao meio dia. Decidi que era hora de calibrar os pneus, verificar água e óleo e de fazer as unhas.

Leia o próximo capítulo aqui!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Folhetim Vagabundo - História 7 - Capítulo 2



Leia o primeiro capítulo aqui!

Agora, sentada naquele corredor de luz forte e esbranquiçada, olhava para trás e não conseguia ver pegada alguma; não as suas. Mas as de Mariana eram evidentes.
Mariana teve a festa de debutante que Ana Clara tanto sonhara; Mariana fez os cursos de artes e de línguas que Ana Clara tanto queria; Mariana ganhou o cachorro tanto negado a ela, casou com o vestido dos desenhos dela e nomeou seus filhos com os nomes planejados por ela.
Mariana dorme agora em Paris, onde mora há vinte anos, e deve estar abraçada ao braço forte de Pierre; e Ana Clara sente sono com um copo de café intragável nas mãos, enquanto aguarda a notícia eminente da morte do pai, que nada sente e nada tem, exceto sua própria velhice que lhe definha.
E assim tem sido há muito tempo. Ana Clara velou sua mãe, e mandou notícias. Velou sua madrasta, e emitiu as passagens de Mariana. E agora, ainda brincando sozinha com seus anéis, aguarda um momento oportuno para telefonar à irmã para não atrapalhar seu sono.
Pensa no seu apartamento vazio, no seu gato que não come há dois dias, na comida que apodrece na geladeira e que será desperdiçada, no seu emprego recém perdido por ausências em demasia, e reza por uma lágrima sequer, que alivie um pouco sua angústia.
Olha para o chão, prende os cabelos desgrenhados atrás das orelhas e pensa que gostaria de ter alguém à sua volta, alguém de quem pudesse se esconder para fumar um cigarro, alguém que justificasse a compra de chicletes mentolados para disfarçar seu hálito. Desde seu primeiro e único beijo, nunca mais tivera essa preocupação.
Vê um par de sapatos brancos e sujos se aproximando. A enfermeira do turno da noite diz que seu pai chama por ela na UTI.
Apressa-se, joga fora o café junto com seus pensamentos, se paramenta toda e com um sorriso imenso nos lábios, se aproxima da maca do pai. Diz bem de mansinho:
- Oi, pai. Estou aqui.
E ouve em um rasgo:
- Mariana, minha filha. Minha querida... Onde está sua mãe?
Sem fôlego, tenta dizer:
- Não, pai... Não sou a...
Mas se contêm. E se corrige:
- Papai, a mamãe não está mais conosco, lembra?
- Ela estava aqui há pouco... Aonde ela foi?
- Pai, você devia estar sonhando... Está tudo bem, viu! Está sentindo alguma coisa?
- Sinto... Sinto saudade. Saudade, Mariana. Saudade de Ana Clara.
Sentindo o coração lhe apertando a garganta, Ana faz um enorme esforço para levar o ar aos seus pulmões.
- Onde está a Ana, filha? Onde ela está?
Ana leva as mãos trêmulas ao rosto, olha para os lados e não sabe responder. Não sabe dela mesma há muitos anos.
- Quando falar com ela, filha, mande um recado meu. Ouça bem, porque passei minha vida toda levando no peito trancado esse segredo.
Com medo de ouvir e sentindo-se desmerecedora das palavras do pai, apesar de saber serem todas dela, Ana Clara sussurra:
- Pode falar, pai. Estou aqui.

Leia o capítulo 3 aqui!

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Folhetim Vagabundo - História 6 - Capítulo 4




Leia o primeiro capítulo desta viagem aqui!

E então, Betina acordou!
Olhou para o teto e reconheceu o aconchego de seu próprio quarto, na casa da avó. Ai meu, tipo assim, que viagem – pensou e riu sozinha. Vou pintar meu cabelo de roxo – decidiu. Ai, que dor no peito – reclamou baixinho. Ué, não tinha um tapete atrás da porta – se perguntou. Mas não sabia a resposta. Nunca sabia as respostas. Que droga – se expressou.
Quando tentou se levantar, viu que não podia. Estava presa. E só então decidiu olhar à sua volta. Ufa, estava mesmo no seu quarto.
- Não! Não pode ser!! – exclamou.
Foi quando Betina percebeu que estava enfiada em espetos gigantes sobre uma enorme fogueira ainda apagada. Seu corpo todo besuntado de sal grosso, como uma picanha argentina numa churrasqueira. À sua volta, em um canto do quarto, os palhaços do Éden salivavam e empunhavam garfos e facas esperando a refeição. No outro canto, sua avó fumava um charuto enquanto Ed a lambuzava de leite de rosas. No terceiro, Raul e Vitória dançavam uma valsinha macabra. E no quarto e último corner, os cinco grandes artistas - Tim Burton, David Lynch, Edward Munch, Edgar Allan Poe e Stephen King - se preparavam para rodar o rolete que assaria Betina por igual.
- Socorro! – urrou Betina - Socorro! Cadê meu macaco?
Onde estaria o King Kong Salvador, que a Salvaria Dali, daquele pesadelo?
- Estou bem aqui, meu bem – ouviu Betina, para logo depois perceber a cabeça do macaco entre suas pernas - Só estou checando os fatos - completou o macacão.
- Que fatos?
- Você não iria entender – disseram os escritores em uníssono, acompanhados das gargalhadas dos palhaços, dos gemidos dos velhos e dos suspiros dos noivos.
- Alguém me belisca! Isso não pode estar acontecendo!
- Confirmado – disse o macaco com propriedade – É ela mesma!
E então, num enorme crescendo, todos os entes bizarros iniciaram um grande coro, afinadíssimo:
- Vamos comer a Madonna, vamos comer a Madonna, vamos comer a Madonna...
- Quem é Madonna?



- É você, meu bem! – gritou o macaco cheiroso, pulando em cima dela e acendendo um fósforo.
Como uma virgem, prestes a ser crucificada, Betina sentiu uma forte pontada em seu ventre. Pela sua vagina escorregou um lindo feto feminino. Com lágrimas nos olhos, Betina que era Madonna sussurrou:
- Vou te chamar Lourdes Maria. Vamos celebrar!
- Que cheiro é esse? – indagou a vovozinha.
Os cinco autores se entreolharam preocupados e, hesitantes e em novo uníssono, responderam:
- É cheiro de pipoca no ar. Pipoca com guaraná!

E então, Lourdes Maria soltou seu primeiro som.




Leia aqui o último capítulo da saga de Betina Madonna.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Folhetim Vagabundo - História 5 - Capítulo Final




Leia o início desta história aqui!



Bom dia, São Paulo! Eram 6h20 da manhã. Helena saltou da cama num grito. Estava em sua casa e dormia de lingeries e salto alto. Seus olhos de maquiagem borrada passaram despercebidos ao espelho, que a viu escovar rapidamente os dentes e prender um desgrenhado rabo-de-cavalo para sair. Estava atrasadíssima.
Na portaria, passou como um raio por Seu Jorge e não percebeu o beijo e a piscadela de olho esquerdo que ele mandou para ela.
Comprou o jornal na saída do metro e correu ofegante para o prédio da polícia. Devia parar de fumar tanto, pensava.
Entrou, pegou um café horrível, sentou. Apanhou o canivete, o maço de lápis sem ponta e começou seu ritual de espera pela próxima vítima. O dia estava nublado e o escritório muito escuro. O cheiro da sala naquela manhã estava estranhamente ruim, um agridoce fétido. Seria sempre assim e nunca havia percebido, se indagava. Como é bela a proeza da rotina em se reinventar dia após dia.

Então ela chegou. Papel em branco sobre a mesa, lápis afiadíssimo.
- Nome?
- Camila Santos.
- Idade?
 
Estava nervosa e chorava muito. Mais um caso de estupro, desta vez no estacionamento de um prédio. Pobres mulheres. Como são frequentes os casos de estupro nesta cidade. Deveria tomar mais cuidado.
 
Camila Santos não fumava. Seu fôlego devia ser impecável. Ponta de inveja. Seu desempenho na cama devia ser um arraso. Se eu fosse homem, pensava enquanto desenhava, também teria vontade de estuprar uma Camila Santos.

Findada a descrição dos olhos do estuprador, Helena sentiu a contração de seus pulmões. Não podia ser. Mais um rosto conhecido! Olhou para a vítima, que buscava uma escova na bolsa para pentear os cabelos desgrenhados, e a observou soltar o rabo-de-cavalo que a prendia, balançar suas mechas louras e alisar sensualmente seus lindos fios dourados. No dorso da mão que segurava a escova, uma estrela tatuada.

A visão de Helena escureceu. Em choque, avistou no jornal que estava sobre a mesa uma pequena nota no canto inferior direito, ilustrada por um rosto desenhado em retrato falado. Era o desenho dela. Era o rosto de Marcelo, dado como desaparecido na noite anterior, visto pela última vez saindo na companhia de uma mulher desconhecida do Teta Jazz Bar, onde havia trabalhado naquela madrugada.

Buscou novamente o rosto de Camila, que não estava mais à sua frente. O que via agora, era arrepiante. Percebeu tudo. Percebeu-se.

O prédio da Polícia Federal, para onde ia automaticamente todas as manhãs, estava abandonado há vinte anos. À sua direita, um aparador com garrafas térmicas velhas, cada qual etiquetada com o número de cada andar daquele prédio, ao lado de outra etiqueta que anunciava em letras garrafais, CAFÉ DOCE.
Ao olhar à sua volta, Helena sentiu uma forte contração no estômago. Não estava sozinha naquela sala. Em cada uma das mesas do departamento havia um corpo sentado. Corpos de homens. Corpos de homens conhecidos. E escondendo o rosto de cada um deles, seus próprios retratos falados, presos por lápis que furavam-lhes os olhos, tanto os dos desenhos, quanto os das vítimas.

Helena saiu daquela sala em desespero e correu por todo o prédio, por todos os andares. Somente o primeiro estava vazio. Todas as salas, as alas, os guichês, os corredores, todos estavam ocupados por seus homens, seus estupradores, suas vítimas.

Com as pernas bambas, voltou à sua sala e percebeu que na mesa ao lado da sua, estava o corpo de Marcelo. O sangue ainda fresco, ainda escorrendo por trás do papel desenhado.

Num salto, sentiu seu telefone vibrando no bolso da calça. Com as mãos trêmulas, leu a mensagem que havia chegado:

DONA HELENA... DESCULPA EU... LENINHA. NEM ME DEU BOM DIA, HEIN... MELHOR DISFARÇAR MESMO! SE O SINDICO DESCOBRE, TO FRITO. JÁ MARQUEI HORA NO TATUADOR QUE A SENHORA ME PEDIU. VOU HOJE À TARDE. QUERO TE MOSTRAR DE NOITE. O ESTACIONAMENTO VAI ESTAR VAZIO DE NOVO. UMA E MEIA, PODE SER? AQUELE BEIJO NA COXA QUE A SENHORA GOSTOU!

Olhou para o retrato falado fresquinho sobre sua mesa. O rosto do porteiro em desenho parecia muito mais harmonioso do que ao vivo. Por que Deus havia criado os rostos das pessoas, se eu mesma posso fazer muito melhor, se indagava.

Olhou no relógio.

Boa tarde, São Paulo. Eram 12h15. Precisava bater o ponto, tinha uma hora cravada de almoço. Se atrasasse um minuto, tinha seu salário descontado. O RH da Polícia Federal era muito severo. Muito severo mesmo. Depressa, apanhou a bolsa e o jornal sobre a mesa, e saiu do prédio.

Enquanto comia sua picanha mal passada de praxe, lia assustada uma nota no jornal sobre o desaparecimento de seu vizinho, o saxofonista. Pesarosa, pensava que não poderia ajudar. Não prestava para nada mesmo. Estava em excesso naquela sociedade. Sequer sabia os nomes de seus vizinhos, das pessoas que a rodeavam no dia-a-dia. Olhou para a garçonete que trazia o cigarro que ela havia pedido. Pobre garçonete. Poderia ser vítima de estupro a qualquer momento.

Qual é o seu nome?
O meu? Cristina. Cristina Sales.

No dorso da mão de Cristina, uma tatuagem de estrela lhe pareceu estranhamente familiar...


Leia o primeiro capítulo da História 6 aqui! Mas só segunda-feira!

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Folhetim Vagabundo - História 4 - Capítulo 1



Eram precisamente dez horas e dois minutos daquela manhã de sábado.
O local do encontro, vazio e em espera, recebia fortes raios de sol e ainda cheirava a desinfetante. Encontrariam-se lá, pontualmente às onze e um, e teriam a última chance de se livrar do enorme peso que carregavam, cada qual à sua maneira, há tantos anos.
Seria naquela sala redonda, a derradeira reunião dos líderes intelectuais.
Seria naquela sala redonda, a criação da mais perfeita de todas as obras artísticas já elaboradas pelo Homem.
Teriam para isso apenas doze horas. Apenas meio-dia. E por conhecerem há tempos o desafio, tinham agora apenas 59 minutos para esquentarem seus heróis, seus neurônios.

Na verdade, 58. Já eram precisamente dez horas e três minutos daquela manhã de sábado. Que bela merda! Haviam perdido 01 precioso minuto lendo esta rala introdução.

Julia Hilal estava atrasadíssima. Havia acordado duas horas antes para ter tempo de alimentar seu gato branco, dar os telefonemas que precisaria, dar passadinhas em todas as reuniões que havia agendado no mesmo horário, fazer uma aula de dança, uma de fotografia e uma de arte ninja, tomar banho, passar meticulosamente os trinta cremes distintos que usava diariamente, escolher uma calça jeans e uma blusinha preta dentre as duzentas peças de cada que tinha em seu armário, sair, passar no posto para encher o tanque, errar o caminho e poder estar lá, pontualmente, às onze e um.

Julia Palermo estava adiantadíssima e andava de um lado para o outro, sozinha e ansiosa, em frente ao local do encontro. Repassava em sua mente todas as frases que pronunciaria naquela sala, e imaginava as diversas possibilidades de resposta a cada uma delas por cada um dos outros cinco participantes. Acendia um cigarro longo no outro, e soltava fumaça como um dragão enfurecido por não ter podido dormir até às quatro da tarde naquele sábado.

Luana de Souza aparentava estar tranqüila. Realmente acreditava que estava, apesar dos tiques nervosos que a faziam piscar os olhos em uma freqüência de quinhentas piscadas por segundo. Tomava um banho demorado após ter tido sonhos eróticos com um oficial alemão, e pensava se daria tempo de dar um corte moderno aos seus cabelos antes da reunião. Pintaria as unhas de vermelho, vestiria alguma coisa que realçasse suas grandes nádegas, colocaria seus óculos modernos que sempre lhe davam um ar mais jornalístico, mas deixaria a depilação da virilha para o dia seguinte. Afinal, não precisaria se mostrar em trajes de banho ou íntimos para ninguém naquela tarde mental.

Mariana Franco tomava duas neosaldinas e estava de ressaca; física, nunca moral! Havia ingerido uma grande quantidade dos mais variados entorpecentes na noite anterior, e enquanto engolia o segundo comprimido, ainda tentava se lembrar de quem era. Olhava ao redor, não reconhecia o quarto, muito menos o casal que dormia abraçado ao seu lado. Poucos segundos após o último gole de café, já estaria completamente apta a utilizar sua enorme capacidade intelectual em prol daquela nobre causa. Passaria em casa, alimentaria seus cinco filhos, enviaria e-mails urgentíssimos de trabalho ao seu chefe taquicárdico, e estaria lá pontualmente, de cara lavada e olhos brilhantes, focada no objetivo maior, apesar das leves pontadas no estômago e da leve falta de ar.

Ricardo São Thiago estava no banheiro, onde passara a noite em diarréias esgotantes. As mãos trêmulas e a pressão em causar uma boa impressão ao mundo lhe suavam as axilas como nunca. Estudara muito para aquele momento e, agora que estava quase lá, já não via muita graça naquela missão. Pensava em outra. Em outras. E em mais outras enquanto acabava com o quinto rolo de papel higiênico, sua maior despesa mensal. Estava mau-humorado e totalmente sem paciência com o mundo. Tomaria dois litros de café preto norte-americano forte, tomaria dez multas de trânsito no caminho e chegaria no local com um minuto de antecedência – apenas para não deixar transparecer sua ansiedade.

E finalmente, Tatiana Pedra... Bem, ninguém sabia de Tatiana Pedra. Nem ela mesma. Com o violão em punhos, em posição invertida, praticava ioga num gramado distante, diante de uma bela cachoeira, e compunha uma bela canção inédita que enriqueceria ainda mais o repertório musical dos brasileiros carentes da boa música. Pensava na picanha argentina que almoçaria, no forró de mais tarde, e nos braços fortes do garoto ingênuo que levaria para casa naquela noite, em quem daria intensas porradas e chaves de braço que aprendera com sua heroína, Xena, caso ele também brochasse.

Eram precisamente dez horas e três minutos daquela manhã de sábado. Agora, dez e quatro.

Leia o segundo capítulo aqui!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Metro VII

Não sei mais quem eu sou! Há vinte dias, descobri algo no METRO que já me levou a três internações psiquiátricas, advogados das mais diversas espécies, pais de todos os santos, sessões de regressão, etc...

As espécies...

Desculpe, querido diário, ainda não estou forte para falar sobre isso.
Só posso dizer que todos os meus espelhos foram destruídos.

Quem fez isso comigo vai pagar caro. Ah, se vai!

Folhetim Vagabundo - História 3 - Capítulo 2



Leia o primeiro capítulo aqui!

Capítulo 2 - Aquele que vem antes do penúltimo!

- Tá! E aí?
- Não entendeu?
- Entendi, bobinho. Deus destruiu tudo, menos ele mesmo. Um pouco egocêntrico, eu diria. Tenho certeza que Deus é leonino!
- Não, ele não destruiu tudo. As coisas foram parar em um buraco negro sem a sua concessão. Ou seja, há coisas mais fortes por aí, mais fortes do que a própria vontade divina.
- E quem é essa pessoa que chegou chegando?
- Pois é, essa pessoa é...
- Foi você mesmo que escreveu isso?
- Fui.
- E por que você trouxe isso hoje, justo hoje?
- Porque fui eu que escrevi. Nós escrevemos o que sentimos. Ou quando temos uma mensagem importante para passar adiante!
- E...?
- E... E é isso!
- Como assim, Matheus Ricardo? Onde você quer chegar?
- Eu não...
- Olha, precisamos conversar sobre a tragédia de ontem. Eu sei que te devo explicações, mas você também precisa se explicar, Matheus Ricardo!
- Por favor, traz mais uma garrafa pra gente?
- Do mesmo vinho, senhor?
- Do mesmo vinho! Ou não! Não, melhor, é tempo de variar!
- Sim senhor, vou trazer a carta.
- Obrigado.
- Já sabem os pratos?
- Eu vou querer a lagosta, por favor! Adoro o gritinho dela quando cai na panela.

Matheus Ricardo temia mais fortemente, a cada segundo, a reação dela.

- Muito bem, a lagosta para a senhora. E para o senhor?
- Eu vou querer a picanha argentina de altíssima qualidade, por favor.
- Muito boa pedida. Volto já!

Matheus Ricardo hesitou um pouco, respirou por coragem e disse:

- Enfim, Maura Rubia, onde estávamos?
- Você estava variando de vinho e pedindo sua carne.
- Sim, sim... Não, não, antes disso.
- Antes disso eu não estava entendendo nada! Matheus Ricardo, posso saber o porquê dessa variação de vinho?
- Estou precisando variar. Estou na fase da variação de minha vida.
- Sei...
- Maura Rubia, nossa vela apagou!
- Xi, é mesmo... Chama o garçom que ele traz outra.
- Não, Maura Rubia. Estou falando da nossa vela!
- Eu realmente estou te achando um pouco estranho hoje, Matheus Ricardo. Primeiro esta redação que você me traz, falando de Deus. Sei que religioso você nunca foi. Segundo, essa gafe de variar de vinho numa mesma refeição. E terceiro, essa ênfase no pronome possessivo que você deu acima. Você nunca foi homem de ênfases. Se há uma coisa que nunca vi você fazer nesses seis anos de namoro, é dar ênfases.
- Já entendi. Você foi bem enfática. Enfim, o que eu pretendo te...
- Peraí, você está debochando da minha cara? Na minha frente? No dia do nosso noivado?
- Para com isso, Maura Rubia. Foi só um pequeno sarro.
- Acho melhor você passar a aliança para cá e pedir logo essa conta. Nesta noite não haverá sol, meu rapaz! É daqui pro berço! E cada um no seu!
- E se eu te disser que não há aliança?
- Como assim não há aliança? Vai me dizer que você foi incapaz o suficiente para esquecer a aliança em casa?
- Não, Maura Rubia, não é isso... Pra onde você tá ligando?
- Pra sua mãe!
- Minha mãe?
- Sim, senhor... Que educação foi essa que ela te deu?
- Desliga esse telefone, Maura Rubia. Desliga.
- Não.
- Ela deve estar dormin...
- Alô? Sou eu, dona Jacintha. Preciso te pedir um favor. Como assim? Sim, no restaurante ainda. Como assim, “sozinha”? Nós viemos juntos. Sim, ele está aqui, por que não haveria de estar? Sua mãe é tão louca quanto você. Nós vamos casar e mudar para a Nicarágua, escreva o que eu estou te dizendo. D. Jacintha, desculpe, não estava ouvindo. A ligação tá falhando. Escuta, o motorista da senhora ainda está acordado a essa hora? Não, é que eu queria te pedir um favor. Pede para ele trazer nossas alianças aqui no restaurante. Devem estar no bolso interno esquerdo do paletó caqui do Matheus Ricardo. Tá pendurado na poltrona do quarto. Como? - Silêncio - Como assim? - Silêncio - Como assim, D. Jacintha? – Maura Rubia rompia em lágrimas – O que a senhora está me dizendo, D. Jacintha? A senhora não pode terminar o namoro desse jeito! A senhora nunca me amou, foi isso... Eu não sou boa o suficiente! Ah, que ótimo, então me dê um bom motivo! Não vou falar com ele, a senhora é que se explique. Tem outra nora na sua vida, D. Jacintha? Vai! Fala na cara! Tem ou não tem? Por que se a senhora acha que...

O garçom na cozinha cuspia no prato da cliente que havia reclamado do excesso de sal.
O entregador, que esperava por um pedido do lado de fora do restaurante, observava o sistema de alarmes pensando em chamar os amigos para um assalto a mão-armada na noite seguinte. Pensava se teria ou não de atirar no gerente.
O senhor de óculos da mesa da esquerda cutucava o nariz e lambia os dedos.
O casal da mesa da direita comia em silêncio e não trocava olhares, sequer palavras. Ele pensava na amante esperando no quarto de motel e ela pensava no anel de diamantes que pediria de Natal, no vestido D&G que havia visto na vitrine, nas mãos do massagista e no preço exorbitante do asilo onde colocaria seu pai recém-viúvo em duas semanas. Pensava também se contaria para ele antes, ou não.
A faxineira que limpava os cacos da mesa dos fundos cortava os dedos e se envergonhava por sentir dor em frente aos clientes.
O gerente embolsava disfarçadamente as gorjetas dos garçons.
O chef, assim como Maura Rubia, gozava o grito da lagosta que acabava de colocar na água fervente e pensava o motivo pelos quais as pessoas eram tão avessas ao desmatamento mundial.

E Matheus Ricardo... Bem, Matheus Ricardo se escondia atrás do guardanapo e fugia dos olhares e dos dedos indicadores de todos os clientes e funcionários daquele restaurante. Naquele momento, pedia somente que Deus acabasse com tudo aquilo, e que quando recriasse o mundo, desse uma turbinada na sensatez emocional das mulheres.

Deus Todo Poderoso, ele mesmo, por sua vez, olhava aquela cena patética e pensava: “Que bela merda que eu fiz! Que tédio, realmente! Esse mundinho está tão estragado, que mesmo para tirar minha bunda da cadeira para acabar com tudo, tenho preguiça! Gosto muito da idéia daquele Matheus Ricardo. Só não gosto do nome... A gente faz tão bem feito e a mãe acaba com o glamour... Mas se não fosse eu, quem mais poderia fazer esse serviço? Quem seria aquela pessoa que chegaria em meio à Total Inexistência? Será que mato o tal Matheus agora mesmo para perguntar a ele? Será que adiantaria? Ele viria para cá, ou serviria O Lá De Baixo? Vou pedir pra Maria levantar a ficha dele...”
Andava pra lá e pra cá, agoniado mesmo. Chega, então, o anjo Sensatel, o que acaba gerando em Deus aquela conhecida sensação de déjà vu. Nem deu bola! Como ele havia criado tudo, tudo para ele era déjà vu!
- Ó Deus Todo Poderoso quanto ali na terra quanto aqui no céu, tá agoniado desse jeito por quê?

E etc, etc, etc...

O final dessa história você já conhece.
Chegue mais perto do começo dela aqui! Mas só amanhã!

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Folhetim Vagabundo - História 2 - Capítulo 3



Leia o início desta história aqui!

Capítulo 3

Leia ouvindo isso: http://www.youtube.com/watch?v=O_cLZD0-oNo

Odair segurava com firmeza o pescoço do irmão. Podia sentir cada gomo de sua traquéia.
- Que merda, Cosmo! Te disse que a Sonia era só minha, cara. Que merda! Por que você tem sempre que tomar tudo que é meu, cara? Por que?
Cosmo tentava se esquivar, tentava puxar o ar para poder falar, mas não podia. Sentia a pressão de seus olhos aumentando rapidamente. Estranhava aquela sensação. Olhava para Odair e se via. Era como se ele mesmo estivesse se enforcando. Eram realmente idênticos. Cada marca, cada fio de cabelo, cada expressão. Por um momento, quase achou graça. Encarou Odair no fundo dos olhos e foi aos poucos percebendo a mudança no humor do irmão.
Odair tinha a mesma sensação. Matar o irmão gêmeo seria o mesmo que um suicídio. Ao ver seu próprio rosto odioso refletido nos olhos de Cosmo, assustou-se. Tornava-se seu pai.

*************************

Era uma tarde quente, 16 de fevereiro de 1991. “É no chuê, chuê. É no chuê, chuá. Não quero nem saber. As águas vão rolar.” As rádios tocavam repetidamente o samba enredo da escola campeã, que iria desfilar novamente naquela noite. Honório na churrasqueira, Cosmo e Odair na piscina, disputando uma bóia, e Odete, a mãe dos gêmeos, passando coca-cola no corpo para se bronzear.
- Tá saindo a picanha!
- Ai, Honório, picanha de novo?
- Não se preocupe, Odete. Essa é argentina. De altíssima qualidade. Sei que você adora tango.
Calmamente, com a peça de picanha inteira espetada no garfo de churrasqueiro, Honório chegou perto da piscina.
- Comam, seus cães!
Jogou a picanha na água e partiu violentamente em direção a Odete. Ergueu-a da espreguiçadeira pelo pescoço e enfiou sua cabeça na piscina.
- Eu odeio argentinos! Tá vendo essa carne aí no fundo? Esses bastardos vão comer agora o lombo do pai deles! Você e seu professor de tango vão dançar no inferno! Vadia!
“É no chuê, chuê. É no chuê, chuá. Não quero nem saber. As águas vão rolar.”
Cosmo e Odair viram por baixo d´água o vitrificar dos olhos da mãe.

*************************
- NÃO!
Odair gritou, soltando o pescoço do irmão.
- Não quero ser como ele!
Cosmo tentava recuperar o fôlego enquanto o abraçava.
- Tudo bem! Passou.
Odair chorava,
- Porra, Cosmo! Por que você faz isso? Pára de se passar por mim por aí. Pára de copiar minha vida!
- Eu te amo, cara! Te amo!
- Eu sei! Também te amo!
- A Sonia é minha, Cosmo. Faz cinco anos que eu vou lá no puteiro dela. Faz cinco anos que eu invento uma reunião em Itu toda terça-feira, só pra poder comer ela. Cheguei lá hoje e ela disse “Ué? Já? A gente não tinha marcado pra amanhã?”. Nunca vou lá nas quartas, cara! Nunca! É terça, cara. Sempre terça!
- Foi mal!
- Pára com isso, Cosmo! Pára!
- Vou parar. Eu juro!
- Tava ligando pra quem?
- Eu? Pra ninguém.
Já mais calmo, Odair entregou um pedaço de papel ao irmão.
- Olha só. Cheguei lá hoje e a Sonia disse que o enfermeiro da clínica do papai deixou esse papel com ela semana passada. Parece que o enfermeiro é traveco, trabalha na clínica de dia, e lá à noite. Acho que é a segunda pista. Você não quer mesmo ir atrás disso? Vou ter que fazer tudo sozinho?
- Cara, não curto esses joguinhos. Você sabe.
- Mas depois vai querer dividir a grana! Eu preciso de você, Cosmo. Você sabe!
Silêncio.
- Passa pra cá essa merda!

Minha terra só tem vermes
Meu pulmão não tem mais ar
No meu ânus tem um tubo
Quero ver quem vem buscar!


Com meio sorriso nos lábios, Cosmo disse:
- Vamos hoje?
- Onde? Eu não entendi a charada.

Odair sempre foi o músculo, e Cosmo o cérebro. Naquela mesma noite, invadiram o cemitério onde o pai estava enterrado. Cavando sozinho, sob supervisão de Cosmo, Odair exumou o corpo do pai, retirou a rolha que lhe tampava o ânus para que as secreções não vazassem e, lá no fundo, encontrou um tubo. Era o canudo da formatura de Honório. Dentro dele:

Sem diploma universitário vocês não chegarão a lugar algum. Mas parabéns por terem chegado até aqui. Vamos ver se esses cérebros argentinos servem para alguma coisa:

Examinem este corpo
Sob as unhas o que há?
Aquele que é enterrado com vida, suas marcas deixará!

- Enterrado com vida, Cosmo? Como assim? Ele estava morto! Eu vi, com meus próprios olhos.
- Calma!
- Você não foi ao funeral, mas eu vi!
Com um único chute, Cosmo virou a tampa do caixão de ponta cabeça. Arranhões. Muitos arranhões. Odair, agachado ao lado do corpo do pai, gritou, em desespero!

- Cosmo!! Não é ele!

Cosmo virou-se rapidamente e encarou o rosto do morto, que o deixou sem ar e aterrorizado!

- Cosmo!
- Calma, Odair. Preciso pensar!

O capítulo 4 você lê amanhã, aqui!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Folhetim Vagabundo - Capítulo 4



Leia antes os capítulo anteriores!

Capítulo 1 - no blog Impressões em Desalinho

Leia agora o quarto capítulo da primeira história do projeto.

- Alô. Oi, sou eu. (...) Como quem? Bárbara, quem mais poderia ser? Ela caiu! (...) Não, desmaiou! Tá aqui estatelada no chão da sala. (...) Ah, meu querido, também o que você esperava? Você pode me explicar esse pedaço de picanha? (...) Não, ‘veja bem’ não! Combinado é combinado! Te disse mil vezes para colocar o olho esquerdo da última na caixa. Era verde acinzentado, lindo! E você faz o quê? Coloca um pedaço de picanha descongelado! Puta que o pariu, que pobreza é essa? Depois pergunta por que os jornais pararam de cobrir! Que decadência! (...) Não, Estevão, qualquer coisa que você disser vai te fazer ainda mais patife! (...) Que tivesse me chamado, então, que eu arrancaria aquele olho com colherinha de café, meu bem! (...) Tá, então da próxima vez a gente muda essa divisão de tarefas. (...) Ué, fácil! A gente passa a procurar por homens desesperados, eu fico posando de gostosa exibicionista, pinto um quadro seu pra botar na parede, e no dia da coleta você não precisa fazer nada. Deixa a mutilação e a preparação da caixinha comigo. Você só vem retirar a mercadoria. (...) Valei-me Deus, Estevão! A mulher da semana passada ainda está fresquinha. Me poupe dessas frescuras de cheiro de cadáver. Peidou na tanga, isso sim! (...) Sei. (...) Sei. (...) (...) (...) Bom, então tá. Quando for o olho, deixa comigo, que eu não ligo a mínima pra essa frescura de janela da alma. (...) Exato, quando for outra parte, você faz. Tá bom assim, fofo? (.) Então ótimo. Agora me diz o que eu faço com essa? (...) Como pula? Não dá pra ficar uma semana sem. Você sabe das minhas crises de abstinência. (...) Ah, que genial! Mato ela e deixo aqui, no meio da sala? (...) Mas isso vai exatamente contra nosso propósito, Estevão. (...) Eu sei que ela quer morrer. Aliás, são 47 cortes, viu, não são 48. Isso, 47. É, ela é igual à terceira de maio. (...) A ruiva, sardenta, que também tinha um corte para cada ano de vida. (...) É, interessante, né? Deve ser um tipo de padrão. Que bonitinhas. (...) Mas enfim, você acha que eu acordo ela pra você vir pra cá, ou você come mesmo assim? (...) Tá. (...) Tá bom. Vou amarrando na cama, então. (...) A calcinha? Peraí. Já tá sem calcinha. (...) Tá, coloco. Que cor? (...) A de renda ou a sem costura? (...) Tá bom. (...) Espera um pouco. Não, tá sem perfume. (...) Peraí, vou ver no banheiro.

Esperava qualquer chance para abrir os olhos. Finalmente. Aquilo não poderia estar acontecendo. Já tinha lido nos jornais sobre os Assassinos das Mulheres Desesperadas. Psicopatas que perseguiam mulheres carentes e de tendência suicida, mantinham um jogo sutil de voyerismo e exibicionismo com elas, e em determinada noite invadiam suas casas com um presente - sempre parte do corpo da última vítima - faziam-nas gozar de prazer até a última gota, envenenavam-nas com arsênico e levavam-nas, mortas, até uma espécie de cativeiro, repleto de vitrines cujas manequins pareciam estar embalsamadas, nuas, cada qual em uma pose diversa do grande livro oriental de sexologia, o Kama Sutra. Nos apartamentos vazios, a polícia e os jornais encontravam apenas a caixinha de presente, o próprio presente, e as seguintes frases, escritas com batom vermelho no espelho do banheiro da vítima: “Esta noite teve sol. Mais uma vida salva. Para mais informações, acesse nosso blog: www.luznofimdotúnel.blogspot.com. Obrigados pela presença. A.M.D.” Apenas uma vítima havia conseguido escapar do cativeiro. Era tolerante ao arsênico, por uso e abuso da substância desde os dez anos de idade, em tentativas múltiplas e frustradas de suicídio. Havia entrado para um convento na semana passada, segundo os jornais.
Nunca imaginou que poderia acontecer com ela. Nunca se enquadrou na descrição das vítimas. Ah, a negação. Sempre o primeiro sintoma.
Precisava agir. A primeira coisa que viu ao abrir os olhos foi a faca suja de sangue debaixo do sofá. Estava confusa. Vindo do banheiro, ouvia:

- Afe, Estevão. Só tem perfume barato. Não quer trazer um dos meus, não? Traz o que você me deu de aniversário de casamento. (...) Mas qual é o problema em sentir meu cheiro nela? Não é essa a idéia disso tudo? Dar uma levantada na nossa vida sexual? Então... (...) Ah, sei. (...) Não, depois não. Vamos conversar agora. Se nem isso está dando certo, o que você pretende? Daqui a pouco vai querer que eu implante um pinto! Faça-me o favor! (...) Não, não estou louca. É você que é um brocha! Acho bom vir logo pra cá terminar esse seu ritual, que eu estou perdendo a paciência. Deixei todas as minhas amigas jogando tranca sem mim porque topei entrar nessa...

A mulher do quadro estava voltando. Não se lembrava mais da posição que tinha adotado quando fingiu o desmaio. Finge de morta!

- ... Estevão. Que estranho. Acho que ela mexeu. Sabia que essa picanha traria mau agouro. Vem logo pra cá. Tá. Tchau.

**************************

- Samantha, sou eu, Ricardo! Você desligou o celular? É a décima terceira mensagem que eu te deixo. Liga pra mim, agora! Preciso de você. Preciso ouvir sua voz. Não consigo dormir sem seus beijos. Não, melhor... Não precisa me ligar, não. Estou indo pra aí.

**************************

Bárbara correu ao quarto de Samantha em busca da calcinha desejada por Estevão. Ainda precisaria despí-la do roupão, vestir-lhe a tal calcinha, passar-lhe o batom vermelho, carregá-la até o quarto, amarrar-lhe os punhos na cabeceira da cama, dar um jeito de acordá-la, e, provavelmente acalmá-la. Pensava se prepararia um chá de camomila para isso, ou se uns tapas na cara resolveriam. Não! O chá! O chá seria melhor! O que uma mulher não faz por um pau duro na cama matrimonial!

*****************************

- Samantha, sou eu, Ana. Te esperei na balada até agora. Estou bêbada! Preciso de você. Preciso do seu cheiro. Por que você não me atende, Samantha? Você não me ama mais? O porteiro me disse que o Ricardo tem freqüentado seu apartamento. Pode me explicar isso, Sá? Pode? Ah, que ódio de você, Samantha. Quanto amor eu sinto! Acho bom você estar em casa. E sozinha. Estou indo pra aí.

*****************************

Aquele corpo havia se mexido de novo. Bárbara tinha certeza. Não podia estar enlouquecendo. Com a calcinha em uma das mãos e o batom vermelho na outra, abaixou-se para arrancar-lhe o roupão.
Maçaneta. Porta-aberta.
Sem olhar para trás:
- Que demora, Estevão! Como você é lerdo, sua lesma brocha! Achei que...
Ao abrir o roupão, notou uma faca na mão direita da futura vítima. Olhou para a porta, no tempo exato de ver a faca lançada se alojar no coração de quem entrava.
Ainda ao som do grito assustado de Bárbara, Samantha a arremessou ao outro lado da sala, e olhando para o corpo esfaqueado, já de joelhos, ainda de olhos abertos, sangue jorrando da boca segundos antes de cair ao chão, esgoelou-se num terrível:
- Nããããão!



Curiosidade também pode matar!
O próximo capítulo você encontra amanhã, sexta-feira, no blog de Marina Franco, "Olhos Recém Nacidos": http://olhosrecemnascidos.blogspot.com/

Boa leitura!

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Metro VI

M.E.T.R.O - Meu Espelho Tornou-se Rotina Obrigatória

É esse o nome do grupo de auto-ajuda para onde Sofia me enviou com aquele número de telefone. Trata-se de um apoio a homens metrossexuais obsessivos.
Quando cheguei ao grupo, no dia seguinte ao telefonema, me senti uma aberração. Meu caso era raro, disseram-me. Ainda não entendi porquê, mas o condutor do grupo disse que já havia agendado uma consulta em uma dermatologista especializada em tratamentos a laser, que iria livrar o meu corpo daquela tatuagem, marca registrada e evidência criminal do meu transtorno. A consulta é amanhã. Hoje volto à reunião.
Enfim, não concordo com nada disso. Sinto-me ultrajado. Mas farei de tudo para ter Sofia de volta.
Desde aquela noite não tenho notícias dela. Recebi apenas uma mensagem, escrita no verso de uma embalagem de preservativos tamanho médio com o mesmo batom dourado, que dizia: estou ótima. Pobre Sofia. Deve estar passando por dificuldades desumanas e não quer me preocupar. Deve ter revirado latas de lixo para encontrar superfície digna para me escrever.
Tenho vivido minha rotina normalmente. Apenas limpando a casa quatro vezes ao dia, ao invés de três. Quero cheiro de jasmim quando ela regressar.

Preciso vomitar.

Voltei. Ando extremamente nauseado ultimamente. Deve ser a ausência de meu amor.

Michele está me intrigando. Desde que Sofia se foi, faz-me visitas diárias. Traz-me quitutes, sucos e lenços umidecidos. Ainda não concluí suas intenções. Estou deixando as coisas andarem, deixando-a à vontade. Digo e repito: tenho pulgas atrás das orelhas por Michele.

Preciso vomitar.

Não saiu nada. Só água. E um pouco de gordura que deu um ar purpurinado à secreção expelida. Ah, as belezas e perfeições humanas.

Pêsames à mim, por minha tatuagem, por meu belo presente desdenhado. Olho para ela a todos os momentos sabendo que são os últimos, sabendo que, em seu lugar, uma horripilante cicatriz habitará meu peito.

Te espero, Sofia. De braços abertos e tonificados. Te espero com cãimbras, tremores e vontade insana de urinar. Meu amor... Minha titã... Meu ar!
Vem aí!









Aguardem!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Metro V

Sofia chegou em casa ontem como um anjo doce. Me beijou os olhos e até perguntou das minhas coisas.
Fui aos poucos tomando coragem para lhe entregar o presente. Ela propunha que saíssemos para jantar, só nós dois, pois não queria me ver na cozinha depois de um duro dia de trabalho, enquanto eu, casualmente, abria botão por botão de minha camisa listrada em finas riscas feita sob medida pelo alfaiate marroquino da Serra da Mantiqueira.
Quando ela se virou de lado para alcançar o batom dourado na bolsa vermelha, em um só gesto arranquei a camisa e revelei a tatuagem em meu peito. SOFIA, em letras românticas, com o O circundando meu mamilo esquerdo e o S exatamente sobre o coração.
Sua reação foi indescritível! E a pior que poderia ser. Sofia não riu, não chorou, não emitiu um som. Nem mesmo moveu um único músculo de sua linda face. Simplesmente voltou à bolsa vermelha, apanhou seu telemóvel, e trancou-se no banheiro.
Fiquei como uma estátua descamisada no centro da sala. Poucas vezes em minha vida me senti tão humilhado. Tive vontade de explodir em pranto, mas a força da erupção seria tamanha que me rasgaria por dentro até a morte. Então permaneci quieto, sem ar, deglutindo de mansinho cada arrepio de ódio dos poucos pêlos de meu corpo.
Sofia saiu do banheiro alguns minutos depois. Pareceram horas. Sem me olhar no rosto, me entregou num passe um pedaço de papel higiênico rasgado sem o mínimo de cuidado estético, um polígono qualquer de dupla face cheirando a lavanda com um número de telefone anotado em batom dourado.
Depois pegou todas as suas coisas, saiu, e até esta manhã ainda não havia voltado. Liguei para Michele logo cedo, que me atendeu com xingamentos horripilantes por perturbar seu sono matinal. Liguei para os hospitais, delegacias, hotéis, cabeleireiros, e nada.
Quando cheguei no escritório, disquei disfarçadamente para o número do papel higiênico. Que soco na alma levei quando atenderam...

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Metro IV

O jantar de terça-feira foi demasiado estranho. Estou com a pulga atrás da orelha. Realmente não sei se Michele é boa companhia para Sofia.
A amizade foi estranha, desde o início. Que amizade começa no dia de seu casamento? A delas começou, no dia do meu. Lembro de Michele na pista de dança, com seu vestido verde bandeira, vindo nos abraçar e congratular. Nenhum de nós dois sabia dizer quem ela era. Achamos, inicialmente, que estava de bico. Depois ela nos esclareceu ser a namorada do Rezende, meu vizinho de baia no escritório, que faleceu há dois anos. Foi comido por um tubarão na Praia Grande enquanto procurava conchas de madrepérola. Rezende colecionava conchas. Pobre Rezende. Mas o tubarão foi encontrado, foi morto, e Rezende pôde ser enterrado com honrarias e dignidade. Era lindo. O tubarão, não o Rezende. O Rezende era, Deus o tenha, feio de morrer. E morreu! Como age o destino, não?!
Mas voltemos ao jantar. Michele estava muito nervosa, meio persecutória. Olhava para os lados a todo momento, como se estivesse sendo observada. Sua reação ao roastbeef foi exagerada. Gemidos de prazer quase pornográficos a cada garfada. Muito bem, sei que caprichei no molho, mas não estava para tanto.
As duas ficaram bêbadas. As três garrafas do vinho chileno haviam acabado antes mesmo de eu pensar em servir o jantar. Tive de sair para comprar mais. Quando voltei, elas riam muito e me olhavam com certo estranhamento. Conferi minha roupa, cinto e sapatos, verifiquei meu penteado no espelho, chequei os dentes, os cantos dos olhos, o cheiro das axilas. Estava tudo em ordem, em perfeição. Do que riam, afinal? Não quis perguntar. Achei chato.
No meio do jantar, uma bomba. Descobri que Michele é casada. Nunca havia notado sua aliança, e só a percebi porque é idêntica à de Sofia. Rapidamente procurei nos dedos de minha esposa nosso elo, temendo que ela houvesse emprestado ou dado de presente a Michele. Mas constava intacta. Meu Deus, eu disse, vocês já notaram que têm anéis idênticos? Não é um anel, é uma aliança. Mas porque a Michele haveria de usar aliança? Por quê você acha? Acha que sou estúpida? Tenho cara de otária? Usaria uma aliança à toa? Sou casada! Desde quando? Desde sempre.
Há cinco anos conheço Michele. Em duas garfadas de roastbeef ao molho béchamel com cogumelos Paris e um gole de vinho entre elas, descubro que Rezende era um amante, que Michele havia se casado uma semana depois de mim, que Sofia foi ao casamento como acompanhante do Rezende para que não houvesse desconfianças do adultério e nem me comunicou, que o esposo de Michele se chama Kleber e que está nas Bahamas cultivando rabanetes, e que Sofia e Michele têm um gosto muito semelhante para jóias.
Pouco antes de eu ir dormir, Sofia narrava a Michele seu pesadelo da noite anterior. Mas narrava em sussurros. Pude ouvir que havia uma viagem, que alguém matava alguém com um espeto de frango, colocava o alguém morto numa sacola de barraca de camping e jogava ao mar. Havia algo com um restaurante em pleno alto mar, onde os carros deviam esperar o intervalo entre uma onda e outra para poder estacionar, onde as pessoas eram vistas apenas através de suas próprias luminosidades. Havia charuto, havia mafiosos, havia ressurreição do morto? Enfim, não pude entender. O barulho do jato d´água com o qual eu lavava a louça me impedia de escutar em detalhes. Fui dormir e nem ouvi Michele saindo, ou Sofia deitando.
Fizemos sexo de madrugada. Não sei dizer quem começou. Mas eu sonhava com caramelos, então deve ter sido Sofia.
Ontem não nos vimos. Ela dormia quando saí para trabalhar e dormia quando cheguei do trabalho. Nem pude entregar o presente que lhe comprei no caminho de casa. Não posso contar ainda, só depois. Vai que ela encontra este diário e descobre...
Hoje ela acordou mau humorada como o capeta. Bebeu chá de boldo no café da manhã, e seu suco de tomate de praxe, mas com pimenta dedo de moça em excesso. Saiu bufando e nem me disse bom dia. Pois eu digo. Bom dia, Sofia. Bom dia, meu amor. Que o frio de hoje te aqueça.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Metro III 1/2

O roastbeef já está temperado e amarrado no barbante. Sofia e Michele ainda não chegaram. Estou ansioso. Estão atrasadas. Comprei um vinho chileno ótimo. Michele adora vinhos chilenos. Os pais delas são de lá.
O psiquiatra disse que pode ser sonambulismo ou uma crise histérica, apesar de achar que a histeria não faça parte do tipo psicológico de Sofia. Qual é o tipo psicológico de Sofia? Qual é o meu? Ele não quis me dizer por telefone. Pediu para que marcássemos uma consulta. Ainda não sei como dizer isso a Sofia sem magoá-la. Não acho que ela esteja louca. Apenas cansada. Além disso, a consulta é caríssima. Pode melar nosso aniversário de casamento no spa. Talvez valha mais a pena investir na viagem.
Barulho de chave na porta. Devem ser elas.

Metro III

Minha noite foi realmente um inferno. Acordei completamente molhado às cinco e meia da manhã, depois de finalmente ter pegado no sono às cinco. Sofia estava parada ao meu lado, em pé. Havia despejado uma jarra inteira de suco de tomate apimentado em mim, com molho inglês em excesso e pouco limão. Parecia um zumbi; ela, não eu. Um olhar esbranquiçado, estático, com a jarra vazia na mão esquerda e a direita arrumando os fios de cabelo que estavam fora do lugar. Depois saiu lentamente, foi à biblioteca, guardou a jarra na prateleira de livros de auto-ajuda e voltou para a cama.
Esperei meia hora, retirei a roupa de cama e coloquei na máquina, deixando-a coberta com um manto de dança flamenca que ela guarda na gaveta de seu criado mudo. Na volta, arrumei novamente a cama com o jogo lilás de algodão egípcio.
Hoje pela manhã, ela estava ótima e nem tocou no assunto. Era como se nada houvesse acontecido. Pediu suco de laranja ao invés do de tomate, para meu alívio. Eu havia esquecido de repor a jarra. Saiu para trabalhar muito perfumada. O cheiro do perfume ainda está impregnado em mim.
Mal estou conseguindo trabalhar. Todos me olham assustados aqui no escritório. Devo estar com uma cara péssima, de olhos esbugalhados e queixo em prognatismo. Devo voltar às minhas planilhas. No intervalo do almoço, ligarei para o meu psiquiatra. Será sonambulismo?

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Metro II

Sofia está tendo pesadelos e não me deixa dormir. Estou preocupado! Faz mais ou menos dois meses que acordo no meio da noite com o som da voz dela. Deu para falar enquanto dorme. Não consigo entender exatamente o que diz. Os sons parecem gemidos de dor, são mais do que palavras. Diz algo como camarões, humm, camarões!
Que eu saiba, ela é extremamente alérgica a camarões.
Em nosso casamento comi mais de quatro cascatas de camarões e, no auge de nossa noite de núpcias, tive de levá-la ao hospital. Recebeu duas injeções de adrenalina para que não sufocasse com o inchaço da própria glote. Depois, perguntei se ela havia comido algum camarão e ela, ofendida, respondeu: Você acha que sou estúpida? Tenho cara de otária?
Depois concluímos que a alergia tinha se dado devido aos meus beijos. Desde então, há cinco anos, sou proibido de comer camarões. Não por ela, por mim mesmo. Pelo seu bem!
Sou apaixonado por camarões. Eu que deveria sonhar com eles, não ela.
Mas nesta noite foi diferente. Acordei com os gritos dela. Fiquei paralisado no meu lado do colchão. Ouvi dizer que não devemos acordar ninguém no meio de um pesadelo. O sonhador pode morrer de parada cardíaca. Esperei passar. E passou. Passou em um esboço de sorriso que ela mantém até este momento. Dorme tranquila aqui, ao meu lado. Meu sono, por sua vez, está perdido em algum canto deste quarto.
Estou realmente preocupado com ela. Que os anjos a enlacem nesta noite.
Vou tomar um chá!

Metro I

Querido diário,

ando angutiado, solitário e medroso. Sofia está trabalhando demais e não tem mais tempo para mim. Ontem a noite, depois de comprar um sapato argentino irresistível no shopping, passei no empório e comprei alcachofras e sorvete de pistache. São os pratos favoritos dela. Comprei um Bordeaux incrível e esperei com o jantar à mesa até as onze da noite. Ela chegou exausta e nem notou o sapato novo. Quando lhe chamei a atenção, disse que era preto como todos os outros. O mesmo aconteceu semana passada com a gravata italiana vermelha que comprei na Armani do Free Shop. Não sei o que está acontecendo com ela. Deve estar com muitos problemas no trabalho, tadinha. Faz tempos que passou a ir somente duas vezes por semana ao cabeleireiro. Apesar disso, continua linda como quando nos conhecemos. Aliás, semana que vem, comemoramos cinco anos de casados. Estou pensando em levá-la ao Nordeste, a um spa-resort ultra-romântico.

Quanto ao meu trabalho, está tudo ótimo. Minha posição está estável e o salário... prefiro nem falar nada para não afastar a sorte. Bato três vezes na madeira.

Amo Sofia como nunca amei! Ela acaba de me dizer que trará a Michele para jantar aqui em casa amanhã. Pediu para eu fazer o roastbeef. Disse boa noite. Boa noite, meu amor. Descansa!

A Michele é sua melhor amiga e confidente. Vão juntas a todos os cantos. Confesso ter um pouco de ciúme dela, mas entendo a necessidade que ela tem de sair com as amigas, tricotar e jogar conversa fora. Nós homens pouco somos capazes de entender as maravilhas e mistérios da alma feminina.

Bom, devo ir dormir também. É a chance que tenho de estar ao seu lado ultimamente. Além disso, minhas olheiras estão profundas. Até amanhã.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O Procrastinador e a Última Récita

Estou querendo escrever alguma coisa, mas não sei o quê. Minha mãe dizia que quando não temos o que dizer, o melhor a fazer é ficar quieto. Queria tanto ser mais zen-budista! Mas a questão é que tenho muito a dizer, tanto, que não sei por onde começar, ou como eleger os assuntos mais urgentes. Tudo é pouco urgente para mim, de tão urgente que cada coisa é. Deu pra entender? Você sente isso às vezes?

Vira e mexe desabafo sobre o bafafá de idéias que turbilham em minha humilde mente e me tiram a quietude. Mas não é sobre isso que quero escrever, mais uma vez. Não me agüento mais nessas histórias.

Meu grande dilema tem sido, em suma, a angústia, no sentido mais Kierkegaardiano possível. Ou seja, a enorme dificuldade de lidar com o livre-arbítrio e, principalmente, com as conseqüências que ele carrega consigo.

Ontem mesmo escrevi um grande texto sobre a prisão. Sobre o sentimento de aprisionamento, para ser mais específico. Dizia que sentia isso. E sinto. Mas o mais louco é que é a própria liberdade que está me aprisionando. Isso faz algum sentido para você? Para mim faz.

Talvez eu realmente precise de um cartão de ponto. De despertadores. De um chefe insuportável que me dê vontade de enviá-lo a receber no ânus a cada minuto. Percebes?

Enfim, cá estou. Pensando, pensando, com leques de penas vermelhas abertos em minha frente, sem ter a mínima condição de escolher uma delas para soltar ao vento no melhor Forrest Gump Way possível.

Espairecerei e procrastinarei mais um pouco.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Individuação



Quando o indivíduo se torna o todo e o todo se torna o indivíduo. Religação, religião do único com o coletivo, do ponto com a amplitude. Convexividade e concavidade sintonizadas e afinadas. Indivíduo, individual e individuado.

Sim, estou sóbrio. Mais do que nunca. Calma, não estou vendo duendes ou fadas. Nem escrevendo auto-ajuda. Estou simplesmente sentado em meu escritório, em mais um segundo deste longo trajeto. Sou eu ainda. Sou eu mais do que nunca. Humano em demasia. Lúcido e bravo!

(Esta mandala me foi doada pela querida Marina Franco. É parte do livro "MANDALAS DE AL-ANDALUZ. Trata-se de atividade terapêutica e analítica. Basta ir colorindo e avivando o que era morto e insosso, dentro e fora de si. Recomendo!)

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Dinâmica

Deitado na caçamba, olhando a noite estrelada e ouvindo o vento a 150km/h pela highway. Cheiro de deserto, frio revigorante sobre o cobertor e aconchego sob, solidão acompanhante, blues rasgado ao fundo vindo da cabine do carro que um estranho de nome esquecido dirige. Destino desconhecido, sorriso no rosto por sentir no corpo o atravessar pungente da vida.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Cortesia

Cara senhora Q.,

suas pérolas foram encontradas ao longo da escadaria de acesso às frisas. Cheiram como gardênias. Gostaria de entregá-las pessoalmente. Peço-lhe, então, que indique em resposta o melhor horário para eu fazer-lhe esta visita, na qual devolverei-lhe o que é seu e aproveitaremos para tomar um chá e discorrer um pouco sobre a opereta da noite passada.

Cordialmente,

Senhor T.

PS.: Sinto apenas que o odor de seu pescoço já tenha se perdido no suor de minhas mãos. Ansioso para beijar-lhe os olhos novamente.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Estrela de menina

Todas as noites, apoiada no parapeito da janela de seu quarto, depois de acariciar-se com a própria camisola e de pentear-se de olhos fechados, ela procurava no céu a sua estrela. Era dela desde criança, desde o dia em que se mudara para aquela casa. Adotara-a com amor e gratidão e cantava para ela, noite após noite, sua música predileta, de modo que, com o tempo o canto tornara-se reza.
Com o passar dos anos, porém, sua reza foi deixando de ser canto e passou a ser súplica. As irmãs, mais velhas e mais moças, mudaram-se todas com seus maridos. Os sobrinhos, pouco a pouco, passaram a ser como filhos. Os pais estavam de memória fraca, de pernas bambas e de cabelos ralos e sua janela era ainda a mesma, mas já de tinta desbotada e de madeira fraquejada.
Suplicava, no início, que sua estrela a trouxesse seu grande amor. Passou a permitir que fosse apenas um amor, depois apenas um carinho, depois uma gentileza, um olhar e por fim uma companhia qualquer.
Em bela noite de lua gorda e pálida, cansada de esperar e olhando fixamente para sua estrela como quem tenta ler os olhos de outra pessoa depois de dizer-lhe muitos desaforos, fechou a janela em sua cara num estacato e passou a madrugada em claro. Raivosa, levantou junto ao primeiro raio, arrumou suas malas e saiu, para sempre, de seu passado.
Mudou-se ao outro lado de seu mundo, e em desespero solitário na primeira noite de janela nova, numa tentativa de redimir-se junto a sua estrela, explodiu em choro convulsivo por não encontrá-la. Saiu ao meio da rua deserta e enevoada para poder ver o céu em amplitude, e nada.
Acordou de olhos inchados e secos, olhou-se no espelho d’água ao lavar o rosto, e vendo-se, lembrou das letras que cantava quando menina. Cantou, primeiro baixinho e depois ao mundo todo. Saiu, tingiu os cabelos e as unhas, passou a olhar para o céu na presença do sol e não mais da lua, ficou mais alta e de olhos mais vivos.
Assim, num fim de tarde em tom de cobre e brisa leve, depois do chá que a aquecera e a confortara, sentiu o toque antes de ouvir a voz daquele que seria o seu primeiro amor.
Naquela noite, apoiada no parapeito de uma terceira janela, depois de ter sido acariciada e de pentear-se de olhos bem abertos, ela não mais procurou a sua estrela. Sabendo de sua existência em algum lugar, agradeceu-a do fundo de sua alma em compreensão; não pelo concedido, mas por tudo que lhe fora negado.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Achei que soubesse

Você sabe dobrar uma camiseta?

Quando vi esta manchete na página principal da UOL pensei: ou o mundo está muito chato, ou os jornalistas estão muito preguiçosos! Desde quando uma matéria sobre isso merece destaque? É tão penoso conseguir espaço na mídia para a arte, por exemplo! Mesmo entregando um release perfeito levamos muitos nãos na cara. Mas o virtuosismo da dobra correta e perfeita de uma camiseta ficou lá, mais de uma semana, em destaque, gritando aos meus olhos toda vez que eu acionava o navegador.

Enfim, me revoltei. Fiquei alguns dias revoltadinho. Mas ontem à noite, depois de tirar a roupa para dormir, fui dobrar minha camiseta. A dobradura ficou uma bosta e pensei que deveria ter lido a tal manchete. Logo em seguida, naqueles microsegundos sinápticos de nosso cérebro, lembrei de quem amo! Lembrei de um dia de ensinamentos sobre como dobrar uma camiseta com a experiência de quem trabalhou muitos anos em lojas de roupas, lembrei de como o armário fica mais harmonioso quando quem amo decide tirar todas as roupas para dobrar com perfeição, lembrei que é mais fácil dormir assim porque os olhos se acalmam quando eu olho para o armário bonitinho e ordenado e percebi que sempre me lembro de quem amo quando vou dobrar qualquer uma das minhas camisetas, só que ainda não tinha dado a devida importância a este fato.

Dobrar camisetas é algo muitíssimo importante para mim, porque atinge meu peito, porque me faz lembrar que amo e que sou amado.

Por isso, naquele microsegundo, me senti um trolha prepotente ao achar que somente os grandes acontecimentos mundiais, ou as grandes obras de arte, ou as grandes descobertas cientificas é que mereciam uma manchete de primeira página!

Dobrar bem uma camiseta pode sim salvar muitas vidas, por melhorar sutilmente uma única!

Deem o alerta!

Existe algo pior do que o espírito de porco, do que a cabeça de bagre, do que o pobre de espírito, do que a idéia de jerico.
Existe algo mais penoso do que a limitação de raciocínio, do que a prisão da tradição, do que a covardia a ousadia, do que a impossibilidade de abstração?

E quando o infeliz é pobre de espírito de porco com a cabeça de jerico cheia de idéias de bagre?

Quando eu, por ventura, me enquadrar nesses quesitos, aos amigos peço que me avisem! Não sei se há algo pior do que o sentimento que nutro, neste momento, por estes quadros clínicos! Não quero que sintam o que sinto por mim.

Portanto, Amigos, como diz a finésima Hilal em seu linguajar de reunião corporativa, “podemos trabalhar nessa linha?”.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Re:versinho

Quando leãozinho preciso de toque
Preciso de ajuste
De pente e retoque

Quando leãozinho não ligo pra caça
Escondo minha garra
E esqueço minha raça

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Est Á

Está assim, como um tornado! Se fosse escrever como penso, não conseguiria formular uma frase sequer. Os pensamentos atuam em ritmo onírico, desenfreado, frouxo! As idéias surgem como icebergs e depois afundam novamente! E se misturam a outras, e vão de um lado pro outro, em zigue-zague, e me deixam ambivalente, de mãos atadas em mim mesmo. Será que isso passa? E como passaria? Shakespeare, Tchekhov, Chico... Planilhas, atos, divã... Casa, cachorro, currículos... Atenção, agressão, regressão... Solos, duos, multidão... Idosos, crianças, captação... Vídeo, palco, formação... Culinária, visagismo, depilação! Que desejo louco de me formatar para reiniciar!!

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Aniversário - Parágrafo Único

PARÁGRAFO ÚNICO - Quero ser lembrado pelo que fiz de belo. Um 'viva' à minha vida!

"Fique assim, meu amor, sempre assim, e se lembre de mim pelas coisas que eu dei. E também não se esqueça de mim, quando você souber enfim de tudo que amei."

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sofrimento Inocente

Fujonas, bagres ensebadas, malandras de viés!
Se não querem ficar, nem venham! Não atormentem meu sono às seis da manhã! Não apressem minha toalete intestinal! Não façam meu café esfriar e menos ainda meu cigarro apagar!
Ideias da peste, que me arrastam pelo pé ao centro da terra, que me puxam pelos cabelos até acabar o ar, que não me deixam ver uma cor de cada vez e empalidecem minha visão, e que depois me abandonam, bêbado, com as roupas rasgadas, o sexo sujo e a pele marcada!
Assumam suas crias! Dêem de mamar! Tragam dinheiro pra casa!
Agora, se isso for realmente impossível e sua sina for mesmo me deixar, um pedido lhes rogo! Não me traiam com um qualquer! Escolham ao menos uma mente mais brilhante, uma cama mais limpa e uma voz atuante!
E não me culpem! Não me punam mais! Este inocente não foi quem lhes roubou o acento e, assim sendo, não merece este sofrimento!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Lado B da Arte

Uma amiga me enviou um scrap dizendo ter visto, num semáforo, um flanelinha usando uma camiseta de um espetáculo que dirigi em 2006, o “LADO B”.
Achei, no mínimo, inusitado. Eram poucas as camisetas, e só foram entregues aos membros da Cia. e à equipe técnica da época. Primeiro imaginei quem teria doado a camiseta a alguma campanha de inverno para descamisados. Pensei se eu mesmo o teria feito. Tenho duas ainda, que uso para ensaios, aulas de dança, enfim, mas talvez tivesse mais.
A camiseta de um espetáculo é o último produto do processo criativo do mesmo. Depois nos serve de lembrança. Teatro pede essas coisas... Depois de pronto, não se encontra nas locadoras, nos brechós, nas galerias, nas livrarias, nas discotecas ou nos antiquários. É extremamente efêmero e por isso ficamos guardando essas evidências que para pouco servem. Mas, de toda forma, faz parte do próprio espetáculo, o que me causou uma sensação gostosa de estar ainda, três anos depois, contribuindo com o mundo de alguma forma através desta peça.
Fazemos arte para nós mesmos – e não se engane quem disser que não – e obrigatoriamente para os outros. De nada adianta uma obra que não seja vista ou experimentada por um público, qualquer que seja. E quando doamos esta parte de nós, que é como um filho, ao público, esperamos que essa obra nunca morra em suas memórias; esperamos que habite seus sonhos, que seja parte do arsenal simbólico de quem a vivenciou. E assim conquistamos, aos poucos, pequenos tecos da eternidade.
Esse pequeno fato, do flanelinha com a camiseta, funcionou para mim como uma provação concreta de que algo que criei realmente se perpetua por aí. E isso me dá uma garra gostosa e me confirma que realmente vale a pena continuar fazendo isso que faço, nem que seja para, no final de todo o esforço, simplesmente vestir um descamisado durante seu trabalho cotidiano.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

SIM

Sabe quando um bom sábado gera um bom domingo?
Sábado ativo, como eu gosto... Pegar a estrada, experimentar teatro, rever amiga, rever pai e ser beijado pelo carinho de um disco de Miles Davis, rever irmão e olhar no espelho, pegar estrada de novo, agora ao som do Davis, agora mais bonito por ter maior significado, ver teatro, ouvir jazz nos fundos, rever amigos, terminar a noite comendo temaki e se sensibilizando com a sensibilidade dos outros, com a diversidade do mundo e com o prazer.
Gerou: domingo que começou no meio do dia, que foi ao supermercado, que gritou ‘dia lindo’ pro vento da janela do carro, que fez almoço caseiro com picanha ao shoyo, vinagrete, arroz ao alho, farofinha e quiabo na manteiga, que viu monólogo, que caminhou em noite estrelada sobre o viaduto e parou para ver as luzes e as cores da cidade, que alugou filmes, que voltou ao supermercado, que fez massa caseira de cookies chop-chips e os assou, e os comeu, que chorou em fim de filme, que continuou chorando, que fez declarações de amor caladas para depois dormir sorrindo.

Como gira o mundo quando dizemos sim!

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Canis in sinapsis I

Meus dentes coçam e todos os sons e formas do mundo são novos para mim. Sorrio do momento em que acordo ao último suspiro da consciência diária. Expiro instinto e reflexos. Conheço bem o prazer, e da dor só conheço o alívio da cura. Me divirto com a vida em si, com meu próprio corpo, com a passagem do ar entre o mundo e eu, e não preciso de nada além disso. Sinto fome e mato, sinto sede e bebo. Se me canso, durmo. E sonho bem para reorganizar minha caixa de novidades. Não me perguntam o que ando fazendo, porque mal andar eu ando. E além de existir, nada faço, porque não preciso. Porque isso já é fantástico demais para mim.
Sou novo no mundo e já beijo. Sou novo nos beijos e já sei amar. Sei sentir falta do amor. Sei retribuir. Sei ser amado sem culpa quando me desmancho em afagos e afetos. Se quero fico, se não quero, vou embora. Livre e solto, correndo sem destino, sem motivo, sem orientação médica ou estética. Gosto do vento, gosto da chuva, gosto do calor e do conforto. E de todas as respostas que esperam do mundo nas perguntas que insistem em fazer, apenas uma me interessa: por quê dizem que esta vida que tanto me alegra é tão difícil?

terça-feira, 19 de maio de 2009

Saturnidade

Uma mistura de sentimentos depressivos e temerosos com necessidades extremas de aconchego e proteção. Carência profunda. Sensação de solidão e de desamparo e a vontade contraditória de cavar minha toca e me esconder da sociedade.
Chegou assim meu Saturno, meses atrás. Na realidade, já há quase um ano. Realidade. Palavra que revela muito do que venho buscando e precisando nos últimos tempos; um reencontro com minhas realidades, com minhas origens.
Nunca estive tão família. Tenho sentido desejos imensos de rever fotografias, de ouvir histórias das gerações que me antecederam, de mergulhar na nostalgia da infância e suas primeiras descobertas.
Estou preferindo calor ao frio. Terra ao ar. Pernas a cabeças.
Tenho me reencontrado comigo mesmo diariamente frente ao espelho, e conversado com esta parte de mim que deriva do umbigo, que é essencial de minha personalidade.
Decidi rever meu nome artístico; Santhiago não sou eu. Sou São Thiago, e voltarei a ser.
Lembranças de tempos de colégio, de amizades primárias.
Sincronismos extremamente afiados, que até geram medos; penso e ligam; sonho e recebo notícias.
Estou caseiro, simplificado, profundo e retrospectivo.
Temos um cachorro, agora. Quero cuidar e ver crescer. Estou pensando mais na casa quando estou na rua do que na rua quando estou em casa.
Comprei roupas de cama novas e fofas. Todo um ritual de eremita para rever meus conceitos, minhas pendências, minhas preferências e escolhas.
E todos estão envelhecendo... E meu irmão está mais perto... E sinto os laços outra vez mais fortes...
E meus amigos também estão assim, cada qual em seu canto.
Fase difícil esta, mas necessária e urgente! O louco sai pelo mundo, se constrói, se destrói, testa máscaras, se reinventa, se espalha feito pólen em vento e agora vai juntado os cacos, as peças, as dicas, as memórias, os fatos, para recomeçar de um ponto que não é inicial e que é mais sólido, robusto e pleno de si.
Lindo, lindo, lindo este processo de individuação! Lindo e árduo, senão qual seria a graça?
Pés na terra, olhos no céu, e vamos andando.

terça-feira, 17 de março de 2009

Desertado

Estou em uma festa, rodeado de pessoas que me amam. Os pés seguros na terra, a cabeça ereta, sorriso nos lábios e esperança nos olhos. Tudo vai dar certo, penso, otimista. Conto das minhas coisas, conto de mim, e os ouvidos ao redor realmente ouvem; e se interessam, e opinam, e querem saber mais. Se preocupam, sem invadir; estimulam, sem iludir.
Num piscar de olhos, volto ao deserto. Sozinho. As mesmas pessoas que há pouco eu alimentava em festa, agora se ocupam demais em achar suas próprias gotas d´água. Eu sei onde há água, digo, otimista. Não me dão atenção. Não me ouvem. Acreditem em mim, eu sei que há água sob nossos pés. Não basta, estou sozinho, e sozinho não consigo cavar. Digo minhas coisas para mim mesmo, na esperança de que o vento as espalhe. Sofro, dói. Caminho engolido por minhas esperanças, perdido, sem bússolas ou estrelas. Perco o rumo, me perco, temo morrer e não cair, temo morrer e continuar andando. Por onde eu vou, pergunto. Por quê por aí? O vento me ouve, mas não escuta e nada me responde. Estou sozinho. Sozinho. Só. Quero afundar na areia. As pernas mal sentem o chão; estão bambas, tortas, a cabeça baixa, a coluna arqueada, os olhos fundos. Não me ouvem, não me apóiam, não acreditam em mim. Aos poucos, também deixo de acreditar. Aos poucos, deixo de me ouvir, depois deixo de falar, deixo de sentir, de pedir, de esperar. Gostaria que o deserto tivesse ao menos uma gruta, estreita e escura, onde eu pudesse me esconder. Mas grutas, não há. Não há nada. Não há ninguém. No deserto, só há a lembrança da festa, só há a lembrança da, só há a lembrança, só há a, só há, só.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Um tempo de 1 cigarro

Dois goles de café. Um terceiro.
Cigarro. Isqueiro. Boca. Dedo. Fogo. Pulmões. Fumaça.
Mais um trago que o deixe bem aceso.
Largada no tempo!

A ruiva de vinte anos do escritório de arquitetura chega à maternidade em trabalho de parto. O aposentado sisudo escolhe os números que irá jogar na mega-sena. O motoboy olha no relógio e decide mudar sua rota. O piloto do avião inicia procedimento de bordo. O rapaz apaixonado liga seu computador e não ouve a campainha que toca. O cabeleireiro cansado sente vontade de bocejar. O executivo workaholic na reunião da manha sente a frieira coçar no pé esquerdo.

Sexto trago.

A ruiva de vinte anos já está na sala de parto, asséptica e em esforço. O aposentado sisudo, na fila para pagar o bilhete, se revolta pelos setenta anos de não-sorte. O motoboy pensa no jogo de futebol de ontem à noite, e não vê a babá atravessando a rua com o carrinho. O piloto do avião pensa em ligar para sua esposa e desiste. O rapaz apaixonado lê o último e-mail de seu amado, chora e pensa em morte. O cabeleireiro cansado tenta prestar atenção nas queixas sexuais da madame, mas, na verdade, pensa se boceja ou não, com medo de ficar feio no próprio espelho. O executivo workaholic tem um acesso de fúria no meio da reunião, pelo fato do motoboy estar atrasado com os documentos necessários, e assusta os outros ternos e tailleurs.

Décimo primeiro trago.

A ruiva de vinte anos se preocupa ao ouvir que a bundinha vai sair primeiro. O aposentado sisudo luta contra a sorte, pensando se desiste ou não do jogo, e segura o bilhete como se fosse sua própria vida. O motoboy, ao olhar para frente, aperta o freio com toda a força. O piloto de avião desiste de ligar para a esposa por ver uma luz vermelha piscando. O rapaz apaixonado se culpa e pensa que não sabe o que fazer por ser a primeira vez que é abandonado. O cabeleireiro decide se entregar aos prazeres da vida e boceja o maior bocejo da sua existência. O executivo ouve do chefe, na frente dos outros ternos, que pode passar no RH.

Último trago.

A ruiva de vinte anos ouve o choro do primeiro filho e pensa qual pai vai escolher para ele. O aposentado sisudo joga no lixo o bilhete amassado que contém os números que serão sorteados daqui a dois dias, e nunca irá saber, pois em dois dias estará nas cataratas do Iguaçu, tirando fotos e gastando todas as suas economias. O motoboy decide vender sua moto e chora na calçada, ao ver a criança rindo para ele em seu colo e a babá lhe oferecendo um abraço. O piloto liga para a esposa e diz estar indo para casa, depois de cancelar a decolagem por notar, a tempo, uma falha grave na aeronave. O rapaz apaixonado, com lágrima nos olhos, decide atender à campainha e chora mais ao ver os olhos do amado e as rosas amarelas que ele traz. O cabeleireiro abre os olhos depois do bocejo e assusta com o grito da madame, que acaba de ganhar uma bela falha careca no lado direito da cabeça, e da luta contra o bocejo, passa a lutar contra o riso. O executivo, ao ouvir o chefe, não pensa duas vezes antes de tirar seu sapato esquerdo, arremessá-lo contra o datashow, arrancar sua meia esquerda, jogá-la na cara da colega sardenta e mal-comida, colocar o pé esquerdo sobre a mesa de reuniões e coçar, em gozos, sua frieira do dedão.

Um cigarro.

Muitas vidas salvas.

Uma madeixa perdida.



(Postagem comemorativa - Edição para colecionadores - número 100)

Hoje a bolsa fechou em queda!

Hoje a vida não está boa. Hoje.
Há esses dias, não há? Em que acordamos preocupados, dias de surto de realidade.
Freqüentei ares antigos e percebi poucas mudanças. Percebi que talvez quisesse não haver mudado junto. Ou que, se tivesse ficado, se tivesse engolido meus próprios sapos, talvez estivesse mais satisfeito, com menos fome.
A fome... A fome que impede que sintamos o verdadeiro gosto da refeição. Que nos ilude, que nos mascara por dentro.
Dia púrpura... Púrpura escuro, quase negro.
Quanta bobagem por aí... Bobagens gratuitas e pagas. Quanta injustiça, não? Complicado manter a sobriedade da construção do caminho. Complicado aceitar as mazelas como parte do processo.
Quantos eternos começos! Quantos poucos fins!
Entendo bem a saída de incêndio nesses dias. Entendo muito bem...
Com licença, vou me afogar em cobertas felpudas e duchas fortes. Não sei ainda se nesta ordem, ou se em ordem inversa...
É, talvez prefira os inversos. Talvez prefira os invernos nestes dias vermelhos da minha bipolaridade!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Às Vezes

A Mãe dá banho no pequeno filho.

- Mãe, quantas vezes na vida eu vou precisar tomar banho?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, e escovar os dentes? Quantas vezes?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E limpar a bunda depois de fazer cocô?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

A Mãe passa a camisa do pequeno adolescente.

- Mãe, quantas vezes na vida eu vou precisar arrumar a cama?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, quantas vezes na vida eu vou precisar comprar camisinha?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E encher o tanque do carro? E fazer a barba?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

A Mãe prega o cravo no fraque do pequeno noivo.

- Mãe, quantas vezes na vida eu vou precisar esperar do lado de fora das lojinhas?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, quantas vezes na vida eu vou precisar declarar o Imposto de Renda?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E comemorar o Natal? E pular ondinhas? E jantar com os sogros? E discutir a relação?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

A Mãe enxuga a baba do queixo do pequeno pai.

- Mãe, quantas vezes na vida vou precisar ir a festinhas?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, quantas vezes na vida vou ouvir ‘eu não pedi pra nascer’?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E pagar pelos brinquedos? E pelos cursos? E não dormir de preocupação?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

A Mãe ajeita a gravata do pequeno pai do formando.

- Mãe, quantas vezes vou chorar de saudades?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, quantas vezes vou desejar ter feito tudo diferente?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, e fazer telefonemas? E esperar por eles? E me sentir só?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.


A Mãe segura nos braços do pequeno pai do noivo.

- Mãe, quantas vezes vou me lembrar deste momento?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E pensar no que fazer agora?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- E me sentir envelhecido?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

A Mãe olha nos olhos do pequeno avô.

- Mãe, quantas vezes vou repetir a mesma história?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, quantas vezes vou me preocupar com novas dores?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.
- Mãe, e mostrar a foto dele? E dizer que o amo?
- Muitas vezes, meu filho. Muitas vezes.

O Filho segura nas mãos da pequena mãe.

- Mãe, quantas vezes vou ouvir ‘eu te amo’?
- Poucas vezes, meu filho. Poucas vezes.
- Mãe, quantas vezes vou ter medo da morte?
- Poucas vezes, meu filho. Poucas vezes.
- Mãe, quantas vezes te disse ‘eu te amo’?
- Nenhuma vez, meu filho. Nenhuma vez.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Orlando e Penélope

Olha Penélope, eu tô de saco cheio de ser o casal de frente. Da próxima vez, a gente chega primeiro. Não me importa se seu cabelo vai estar eletro-frisado, se o batom vai estar borrado, se seus cílios postiços estiverem caindo ou se sua calcinha estiver marcando. No jantar de amanhã, nós vamos ser os primeiros a chegar e não vamos ser o casal de frente.

Orlando e Penélope tem o hábito de sair para jantar com mais dois casais de amigos, todas as sextas-feiras, faça chuva ou sol, seja a semana de posse de Barack Obama ou não.

Puta que o pariu, Penélope. Eu ganho mais que o Carlos Eduardo. Você é muito mais magra que a Regina. A perna da Fabiola parece um mapa rodoviário perto da sua, de tanta varize. E o Paulo Fabio tem um puta mau hálito. Não é justo que a gente seja sempre o ‘casal de frente’ e eles se regozijem toda noite sendo os ‘casais de lado’.

Acontece que Orlando e Penélope tem o hábito de chegar um pouco atrasados nestas ocasiões, devido à quantidade de fechaduras que devem ser trancadas ao saírem de casa (mania de Orlando), devido às sete trocas de calcinha (mania de Penélope), devido à procura da chave do carro (distração de Orlando), devido ao perfume exagerado e ao segundo banho depois de toda pronta (desajuste de Penélope), devido à desorientação espacial e aos erros dos caminhos (defeito de Orlando) e devido à verborragia que contribui imensamente para os erros dos caminhos (defeito de Penélope).

Sabe o que mais me incomoda em ser o casal da frente? Sabe? Aquele limbo entre o fim da sobremesa e o cafezinho, quando eles começam a se beijar e a dizer segredinhos ao pé do ouvido. A gente fica olhando um pra cara o outro, com uma mesa entre nós, sem ter nada para fazer. Não podemos olhar para um lado, ou eles podem achar que somos pervertidos e que estamos interessados em demasia em suas carícias privadas. Não podemos olhar para o outro ou os outros clientes podem pensar que nós não nos suportamos e que somos um casal sem assuntos. Aí ficamos olhando um pra cara do outro, eu morrendo de vontade de fumar um cigarro sem poder, porque Paulo Fabio é asmático, e você Penélope, você fica com aquele sorrisinho amarelo por fora, mas fazendo aquele lance da língua nos dentes que você tem mania de fazer quando está sem graça, que faz um barulhinho que parece grunhido de rato, bem baixinho, que ninguém ouve mas que para mim parece uma britadeira.

Orlando e Penélope, ao chegarem atrasados, acabam sentando-se um de frente para o outro, numa mesa em que os outros casais – Carlos Eduardo e Regina, Paulo Fabio e Fabiola – já se encontram devidamente acomodados um ao lado do outro.

A gente precisa convidar um quarto casal para jantar conosco. Oito pessoas. Assim ninguém vai precisar sentar de frente. Se bem que... Não, deixa como está. Eu quero ter o prazer de ver o bafudo do Paulo Fabio sentando de frente com a trama ferroviária daquela mulher dele. Vou fazer questão de enfiar a língua na sua orelha no momento cafezinho. Vou passar a noite toda dizendo segredinhos ao pé do seu ouvido. E eu vou ser o primeiro a receber a conta. Vou ter o imenso de prazer de dizer ao Carlos Eduardo “cada um paga o seu”, sem essa de rachar em três. Quero só ver a cara dele praquela balofa que come couvert, entrada, primo piatto, secondo piatto, sobremesa, sobremesa, sobremesa, dois cafés e licor digestivo com um copo de água com Eno no final. Aposto que é pra caber a ceia quando ela chega em casa. Há-Há.

Penélope ouvia tudo atentamente, fazendo o barulhinho de rato que lhe é tão característico.

Pára com essa porra de barulho! Que saco!

Penélope parou de fazer o barulho. E logo em seguida, abriu a boca para pedir o divórcio.

Divorciaram-se. Orlando, contudo, contratou uma garota de programa no dia seguinte, para acompanhá-lo no próximo jantar. Treinou-a como àqueles cavalos que dançam Cavalleria Rusticana. Fez que fez que, no fim, Dida estava conseguindo reproduzir fielmente o tique de Penélope, e até mesmo suas manias de sete calcinhas e de dois banhos. Porém, sendo uma profissional que era, estava pontualmente pronta para o grande evento.

Chegaram com duas horas de antecedência. Os garçons ainda fumavam seus cigarros do lado de fora do elegante restaurante.

Sentaram-se gloriosamente. Um ao lado do outro. Orlando não se conteve e sentiu uma certa contração perineal, como costumava sentir nas noites de sexo às quartas-feiras com Penélope. Ah, Penélope... Olhou no relógio.

Estranho, Dida. Estranho. Estão meia hora atrasados. Devem ter se perdido. Há! Babacas.

Quatro horas depois, Dida, já levemente pálida devido à hipoglicemia em seu sangue, solicitou educadamente que fossem embora e que passassem no Mc Donald´s para que ela comesse um lanche.

Orlando, indignado, cedeu.

Fascistas! Tradicionais! Devem ter descoberto meu divórcio. Esse tipo de gente não sai com divorciados! Filha-da-puta, aquela Penélope. Filha-da-puta!

Penélope, no restaurante da frente, jantava com seu ex-amante, futuro-marido, e brindava sua nova vida.

Os dois casais jantavam também, agora quatro pessoas sentadas lado-a-lado, como de costume, e comentavam sua decepção ao assistirem o discurso de Orlando - aquele em que ele os insultava energicamente - pelas câmeras ocultas que haviam mandando instalar em seu apartamento, cuja finalidade inicial era fetichista, mas que acabou rompendo uma linda amizade e uma grande tradição gastronômica de dois meses.

Ao sairem do restaurante, iriam para o clube de swing de sempre, do qual sempre excluiram Orlando e Penélope. Orlando pelo mau cheiro em suas axilas e Penélope pela tonalidade da tintura loira em seu cabelo, que consideravam demasiadamente vulgar.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Óleo mancha.

Um pequeno pedaço de berinjela ao alho se desequilibrou como ela e caiu na roupa que havia sido trazida da Itália. Óleo mancha.
Ela se levantou bruscamente olhando nos olhos dos que não a acompanhavam naquele jantar. Tremia um pouco, o ar completamente preso em seus pulmões já por segundos significativos. Segurava um grito que não podia soltar, não queria; não sem ter quem a ouvisse. Olhou ao redor. A letra do samba que há pouco a transportava ao seu passado, agora a trazia eternamente ao desiludido presente. A foto do filho cuja voz não mais conhecia no porta-retrato. Vontade de passar a mão no telefone e falar com ele, mas já não sabia mais de cor, o telefone. Agora eram muitos números, e a incerteza de que ele seria o primeiro a atender. Talvez viesse a outra, com quem não poderia gritar como gostaria. A comida fresca brilhava no prato. Havia alguns grãos de cuscuz no chão. Na dúvida entre limpar ou deixar que lá amanhecessem, sentou-se novamente. A respiração agora era ofegante, e a lágrima latente esforçava-se para deixar o olho esquerdo. Não iria chorar. Não queria; não sem ter quem a visse. Bebe um gole do vinho rosado que agora lhe descia mais ácido que o vinagre em que se transformaria. Sente náuseas e a vontade de se regurgitar por inteiro. Puxa o ar, que se recusa a entrar. Tenta novamente. A guerra contra a lágrima mostra sinais de derrota. Respira mais uma vez, sem sucesso. A foto do filho. Os olhos dele, que não lembravam os dela. A mancha na roupa nova, que vestiu hoje pela primeira vez para jantar em sua própria companhia. A roupa que ninguém havia elogiado, porque ninguém havia visto. A garganta fechada, a pontada no peito, a náusea, a lágrima. O chão sujo sob seus pés recém feitos no salão. Óleo mancha. O maldito ar que não passa.
Levanta-se impetuosamente e com a faca ainda marcada pela comida por ela preparada, rompe a fronteira do pescoço para que o ar enfim entre e para que o grito saia. E assim se passa. Escorrem todos: a roupa manchada, a faca e a lágrima.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Vamo Q Vamo

Inaugurada, então, a temporada 2009.
Um ano que começou realmente promovendo e sendo promovido, o que é o mais importante.
Interessante como este período pós-inter-férias-pré-carnaval aponta algumas vertentes que serão seguidas durante o ano que correrá. Muitas delas nos mesmos moldes do ano passado, algumas nos moldes de todos os anteriores, e poucas, porém importantíssimas, em moldes completamente novos.
Sinto algo engraçado, como começo de nova temporada de seriado americano. Posso explicar, eu acho. Alguns conflitos são permanentes, seguem sua rota rumo às resoluções que não mostram nem sinal de vida. Outros conflitos, mais recentes, que começaram na segunda metade da temporada passada, ou algo assim, já estão perto de seus ápices, ou passando por eles, ou saindo da tempestade. Novidades pipocam freneticamente na vida de todos. E mais uma temporada se inicia. Deu pra entender a sensação? É que não sou exatamente um Às dos seriados, mas de dramaturgia entendo um pouquinho, então... Enfim, isso é bobagem!
Comecei bem, legal, bacana, tô gostando. Que fique assim ou melhore!
Amigos que sofriam com óculos já enxergam. Temporada da caxumba aniquilada. Amigos que continuam em busca de seus amores. Amores que buscam seus próprios caminhos agindo bravamente. Situações familiares permanecendo. Noticias boas. Noticias ruins. Trabalhos animados. Cursos e leituras revigorantes. Complexos mais tênues, outros mais aguçados do que nunca. Neuroses novas, neuroses surpreendentemente superadas. Planos e planos e planos. Festas, eventos e casa! E vamo que vamo!
2009, o ano que promove, saindo na dianteira!