segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O Corte

Quase... Tudo está quase pronto para o final, para o rompimento do cordão, para o corte da fita do novo.
E não são isso as festas de Natal e Ano Novo? Uma celebração ao novo, ao nascimento, à vida?
Os presentes que damos às crianças, aos inícios. Os presentes que recebemos pelo nosso renascimento. Os brindes que fazemos aos desejos e ao destino. O branco, o puro, a festa, o pueril. Os loucos que em nós jazem e que retornam às superfícies para reiniciar suas jornadas.
Ah, preguiça de recomeçar, que nada! Ânimo! A alma bombando, cheia de planos e vontades, pronta para agir e repleta de expectativas de ação, não de espera. Assim deveria ser em plenitude, mas é quase. Uma preguicinha humana sempre resta lá no fundo. Mas precisamos dela também, para dormirmos aconchegados.
E neste querido blog, onde criei e desabafei boa parte de minha existência no ano que passou; neste querido blog, que também comemorou seu 1 ano de vida, virtual, mas que não poderia ser mais real; neste querido blog, registro esta última postagem, como um grandíssimo agradecimento à vida, à arte e às oportunidades que recebi nos últimos 525.600 minutos de minha ainda pequenina existência.
E assim:

Por tudo que estremeci
Por tudo que amei
Por tudo que sonhei
Por tudo que pensei
Por tudo que criei
Por tudo que chorei
Por tudo que deixei
Por tudo que ensinei
Por tudo que ganhei
Por tudo que mudei
Por tudo que morei
Por tudo que comprei
Por tudo que respirei
Por tudo que viajei
Por tudo que dei
Por tudo que andei
Por tudo que beijei
Por tudo que abracei
Por tudo que conquistei
Por tudo que arrepiei
Por tudo que dancei
Por tudo que vi
Por tudo que ouvi
Por tudo que li
Por tudo que ri
Por tudo que cresci
Por tudo que escrevi
Por tudo que perdi
Por tudo que bebi
Por tudo que recebi
Por tudo que corri
Por tudo que aprendi
Por tudo que comi
Por tudo que dormi
Por tudo que vivi

Por tudo que senti em 2008
Por tudo que sinto hoje
Por tudo que sentirei em 2009

MUITO OBRIGADO!

FELIZ NATAL E UM ESPETACULAR ANO NOVO A TODOS NÓS!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Escrita Proscrita!

Onde foi parar minha escrita?
Em que ralo, em que tela, em que espaço?
De onde vem a confusão de idéias e a pobreza estética? E a ética?
Por quê o medo da brancura? Será excesso de censura?
Pra quê as rimas não rimadas e as não-rimas tão rimadas?
O que fazer com o que tenho em mim quando eu mesmo não tenho idéia do que tenho em mim? Por tudo que sinto, muitas vezes, acontece. Por tanto que sinto, nunca. Acontece... Acho que acontece... E espero que passe. Que suma esse tanto quantitativo! Que dê espaço ao tudo qualitativo. Que passe a escola. Que alguém reboque o carro quebrado! Que a dispersão flua tanto, ou mais, que a concentração!
E, por favor, que a bateria toque mais alto! E menos quadrada, mais sincopada! E que erre mais vezes. E que o erro se perca em meio a tamborins furados, bumbos rachados e cuícas desajustadas...
Que venha logo o novo ano!

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Foi bom pra você?

Antes, sempre duvido.
Durante, sempre questiono.
Depois, sempre descubro o porquê de tanto suor, tanta rouquidão, tanta taquicardia, tanta dor, tantas noites em claro, tantos neurônios ativos, tantas lágrimas e tanto riso.

Dirigir é minha paixão absoluta, disso sei há tempos! Atuar é um prazer meio mágico, um opióide viciante que deve ser usado com moderação! Agora, ensinar é um trabalho que une as duas coisas e é tão árduo que, como todos os outros assim, acaba se sublimando em arrepios no final do processo.

Poder vivenciar a transformação de rostos, de corpos, de almas, o crescimento de seres, a humanização de homens e a alegria da conquista do outro é uma dádiva, um privilégio. E depois, receber o carinho, as mensagens de agradecimento, os pedidos de mais, e comprovar que, de uma forma ou de outra, pudemos contribuir para a formação e para a realização das pessoas, é inspirador! Neste momento, esquecemos as burocracias, as politicagens, as tradicionalices, os berecreteques, e presos ao chão e aos olhares à nossa volta, sentimo-nos uma pequena parte de cada um, e cada um uma pequena parte de nós.

Poder ouvir coisas como "me ajudou a me encontrar", "despertou minha paixão pelo palco", "fez-me sentir vivo", "larguei minhas cartelas de anti-depressivos", "me fez repensar minha vida", "me ajudou a rever meus valores", "me ajudou a quebrar meus limites", e muitos dos especialíssimos "aprendi muito com você!", faz-me abrir um sorriso imenso no meio do peito!

Ao meu Deus, peço que eu possa preencher cada canto dos palcos do mundo com artistas tão apaixonados pela arte quanto eu, ou talvez, ainda mais!

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Chegou!

Sim, fizemos tudo como manda o protocolo.
Primeiro um jantarzinho, depois um cigarrinho e começamos. Luz baixa, precisava da música certa. Pus pra tocar. As gringas são ótimas, são as melhores nesta época. E são lindas.
Prega de cá, amarra o nylon de lá, estica, desembaraça, sopra pra encher. Desamassa, entrelaça, ilumina. Abre o invólucro, tira de dentro, observa, depois pendura. Sobe na cadeira, chega no ápice, distribui, olha nos olhos, e a música tocando, o disco repetindo a terceira passada.
Lá fora, era como se a neve estivesse caindo. Aqui dentro, como se tivéssemos uma lareira ardendo. E mais aqui dentro ainda, era como se fossemos crianças novamente.
Essa é a parte que eu gosto desta festa. É a parte que não acho triste. Lembrei de minha mãe com seu perfeccionismo, lembrei da espera pela abertura dos presentes. Agora as rédeas estavam comigo. Agora eu mesmo me proporcionava. Agora era ativo, não passivo.
E pra lá da meia noite, com as costas doendo, a música se esvai, e o último cigarro da noite é desfrutado junto à admiração pelo resultado do trabalho. Ficou lindo.
O Natal chegou à minha casa. Guirlanda na porta, apagar as luzes que agora são muitas, e dormir com um sorriso de amor e leveza nos lábios. Boa noite e Feliz Natal.

Por trás

Por trás da soberania, da cadeira de veludo que lhe protegia as costas, o que restou no fim? Será tarde demais para encarar a insegurança por trás da fortaleza? Encarar a tristeza e a decepção por trás do sorriso bege? O destino por trás do controle?
O corpo enfraqueceu e lhe sobra a alma. Alma vivida em quantidade, mas pueril em qualidade. O medo. Os questionamentos. A condição de lidar com o próprio travesseiro, no quarto frio e escuro que repele o sono, e procurar os erros embaraçados na rede da solidão.
Afinal, de que adiantou a postura fixa em altivez e inumanidade, se os ombros agora desejam cair e a vergonha os impede? De que serviram tantas provações se agora o público se foi e não pode mais aplaudir?
Mas os enganos continuam vivos. A mente ainda prega as mesmas peças a fim de aliviar o espírito despreparado. O mundo ainda está fechado pelos muros do castelo de areia. Provavelmente terminará assim sua jornada. Da mesma forma que a começou. Mantendo a burrice do não-sorriso e os equívocos dos valores inúteis. Pobre do que se fez rico mas manteve os olhos cerrados diante dos milagres da vida e das reais virtudes da alma. Pobre de quem tanto suou no palco e não tem quem o aplauda, nem si mesmo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Joseph. Meu nome de golfinho é Joseph.

Queria estar escrevendo mais. Me culpo diariamente por isso. Mas ando muito ocupado ultimamente. Tenho sido golfinho em toda e qualquer hora vaga. Explico.
Descobri um jogo de Internet, desses boquetinhas, em que não se ganha ou se perde, em que se é um golfinho que nada pelos mares afora, salta, chega em Marte, faz acrobacias e coisas assim. Existe a opção “Nado Livre”, sem tempo para esgotar, e isso me pegou em cheio. Bateu direto no meu arquétipo “Fernão Capelo Gaivota”, sabe? Esse voar o mais alto possível, essa liberdade incondicional, esse não pensar em nada... Meu Deus, estou viciado nessa porcaria! Cérebro direito dominando o pedaço. E assim, emburrecido por ser golfinho, não leio, não escrevo, não penso, mas entendo melhor essa geração de gamers e internautas maníacos, em busca do princípio do prazer a todo momento.
E assim estou ultimamente, a quem se interessar em saber: dirigindo peça ali, cantando acolá, enlouquecendo por aqui, já pensando na retrospectiva 2008, já fazendo resoluções para 2009, planejando praia e sol, preparando festas e shows de final de ano, sonhando ouriços, querendo natalinizar minha casa, buscando espaço de trabalho, roteirinizando idéias, morrendo em Veneza, preenchendo formulários, me estruturando para “eu vou estar sendo doutorando”, guiando cheiro de novo, ligando pelo botão, amando, e sendo golfinho!
Pelo menos me sinto um ser humano mais simpático quando sou golfinho...

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Martin Page, cadê você?

Estou pirando!
Não quero mais tantas possibilidades! Por que essa mania de querer transformar samba em tango, tango em salsa e salsa em samba? Por que não deixo como está? Samba é samba, cacete!
Não quero acabar sendo vendedor de idéias em doze sem juros! Quero executá-las, mas elas não me deixam em paz, essas mutantes vampiras que me enlouquecem e invadem meus sonhos.
Já pensei em um mural de projetos, de histórias que quero contar e de artes que quero criar. Mas só iria piorar. Minha casa não teria paredes suficientes. E esse blog que olha para minha cara amassada todas as manhãs e me cobra feito fiscal da receita. Tem dias que não sei o que escrever, porra! Tem dias que não consigo escolher!

“Ah, que pão você ficou com esse enxerto de pele de pinto no queixo peludo!”

Pronto, vou aliviando... Esses amigos tão inspirados só pioram esse estado criativo! Preciso de mais amigos cartesianos, de preferência burocratas de pele azul clara e óculos fundo-de-garrafa, e virgens!

Martin Page, onde está você quando eu preciso. Trolha incopetente!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Culpado

Qual é sua culpa?

Ver a criança enferma e ter doado seus genes?
Ver o dinheiro esquecido e transformar-se em dono?
Ver seu amado traído e beijar-lhe a face?
Usar as idéias alheias e sentir-se próprio?
Dormir aos olhos de um velho e não ceder-lhe o assento?
Ver um preto na rua e tremer de medo?
Atrasar a pressa do outro para sanar a sua?
Fingir ser alguém para uns e ninguém para outros?
Matar alguém da família por horas de sono?
Guardar o que pensa pra ti e falar pelos becos?
Roubar as vitórias alheias profanando seus feitos?
Acordar enganando sua mente e estragando ser corpo?
Amar desejando somente recompensas egóicas?
Omitir cortesias verbais em olhares insossos?
Sofrer em vão a preguiça de colocar em ação?
Olhar no espelho e não poder encarar seus olhos?
Culpar o destino pela culpa da culpa que sente?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Calçadas e Descalças

Há sempre aquele dia em que vestimos a calça errada ao acordar, calça que pode ser maior ou menor do que nosso tamanho.
Quando menor, os movimentos são difíceis e apertados, rígidos e sofridos, espremidos e dolorosos. E passamos o dia meio castrados, meio grudados, meio que querendo se livrar do suor pegajoso que nos prega em nós mesmos.
Quando maior, os movimentos são desengonçados, as pernas se esparramam pelos sapatos, se arrastam pelo chão, se sujam de lodo e sentimos a insegurança da exposição pública das partes mais íntimas. E passamos o dia tentando nos colocar no lugar, meio que querendo nos prender a nós mesmos, meio afrouxados, disritmados e ridículos.
Nem tanto a terra, nem tanto o céu.
Quem dera pudéssemos voar à vontade todos os dias, sabendo que estamos bem presos em nossas raízes, e bem soltos em nossos sonhos.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Avô, desse jeito... Jamais!

Dizem que o primeiro beijo a gente nunca esquece. Assim como a primeira transa, o primeiro sutien, etc.

Eu jamais me esquecerei do meu primeiro pudim!

Quem me conhece sabe que sou louco por elucubrações gastronômicas, adoro cozinhar e inventar odores e sabores. Mas meu primeiro pudim... Incrível! Um simples pudim, de leite condensado, sabe? Esses, que as avós fazem como ninguém. Pois é... O meu...

Acho que vale ser a primeira foto que eu posto, já que texto algum irá exprimir com exatidão esta proeza.



MAS EU JURO POR TODOS OS SANTOS DO FOGÃO, QUE O GOSTO ESTAVA BOM!

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Pra quê?

E a pergunta do dia é:

Pra quê uma dona de casa, casada e com filhos, continua querendo brincar de casinha de bonecas?

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Shhh...

Cuidado... Chegue de mansinho, percebendo se o que é para ser está sendo. Ou se o que está sendo transborda o que deveria ser.
São tão tênues nossos limites, quase invisíveis linhas, que constantemente rompemos as fronteiras e cruzamos para terras aonde não fomos convidados.Assim, que a amizade permaneça nos limites da amizade. Que o namoro permaneça nos limites do namoro. E assim vale para o sexo casual, para as relações familiares, para as parcerias profissionais, para as conversas diante do espelho e para qualquer tipologia de encontro possível entre dois ou mais seres.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O que vai ser, senhor? Um coma induzido, por favor.

Tantas vezes me perco na minha própria ansiedade de comprometimento, me afogo nos meu próprios mergulhos, perco o sono com minha seriedade, que gostaria muito de conseguir ser mais relaxado, fazer as coisas por fazer, sem necessidade de ser bem sucedido. Fazer qualquer merda e achar que está bom! Isso é o mais importante: conseguir achar que a mediocridade está ótima!
Eu realmente me jogo em tudo o que faço, em cada idéia que tenho, e transformo incansavelmente todas elas até não agüentar mais essa busca pelo meu conceito de perfeição, que é só quando consigo abandonar. Me incomodo com o comodismo que não tenho em mim.
Dizem por aí que isso é bom. É bom? É bom pra quem vê de fora e aplaude. Vem cá pra dentro, vem. Às vezes tenho a impressão que meu fim será uma explosão. Vou explodir feito balão que não suporta mais o ar jogado pra dentro. E essa explosão poderá vir de diversas formas, a saber: um breve surto psicótico, um pequeno Alzheimer ou, quem sabe, um coma induzido.
Tá aí! Alguém poderia, por favor, me providenciar um coma induzido?

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Solutio

Caia!
Me lave e me recrie!
Dissolva minhas certezas
Refresque minha mente
Batize as impurezas
Molhe!
Hipnotize meus ouvidos
Pingue novas melodias
Batuque com cuidado
Enxurre as agonias
Embale!
Faça lama a terra dura
Faça música os meus sonhos
Alie-se à preguiça
Seja lágrima dos tristonhos
Chove!
Quebre o corpo em calafrios
Ensope o mundo em caldo d´alma
Afogue o pó que o tempo junta
E devagar
Cesse sem trauma!

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Espelho, espelho meu!

As pessoas, atualmente, tentam escolher seus amores. Atenção: não escolher amar, mas escolher seus amores. E escolhem como quem procura a fruta perfeita numa quitanda, ou o doce mais apetitoso nas prateleiras dos supermercados. As pessoas estão tão habituadas a terem opções, a poderem comprar o que desejam e quando desejam, que trocam de caso como quem troca de roupa. E assim, aos poucos, têm cada vez menos chance de amar; de amar de verdade, não de achar que amam. Porque elas olham para si mais do que para o mundo. E nos parceiros que encontram, procuram por elas mesmas, e não a verdade do outro. E o mundo cada vez mais cheio, e as pessoas cada vez mais solitárias. Quanto maior a oferta, maior a exigência da perfeição. E a perfeição é, ora uma cópia daquele que narcisicamente busca a si mesmo, ora o ideal de si mesmo projetado naquele que é buscado.
E neste ritmo, as pessoas se isolam em si mesmas e nos seus “quase iguais”. O objetivo não é descobrir o novo mundo por trás de outra pessoa, mas sim moldar a outra pessoa ao que melhor se adequa a seus próprios mundos. Assim, podendo encontrar alguém quase pronto, melhor; dá menos trabalho. Eu mesmo pensava assim. Não só pensava, eu dizia; brincando, mas dizia: eu quero me namorar, quero achar alguém igual a mim. Brincava com o ideal dos leoninos, mas dizia. Que sorte! Que sorte não ter me encontrado desta forma.
E de pretensão em pretensão, de defesa em defesa, de boicote em boicote, as pessoas lá estão, se masturbando pensando em si mesmas, achando que o mundo é seu mundo, com medo do que desconhecem, julgando a torto e a direito, emburrecendo homeopaticamente, vazias, vazias, vazias, e procurando, procurando, procurando por elas mesmas, no lugar errado.
Olhando por este prisma, faz muito mais sentido a existência de tanta gente que gira seu mundo ao redor do ‘encontrar alguém‘, não faz?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

De novo, Inverno

Depois de chuvas e verões diversos, elas finalmente se separam. Elas que se viam uma na outra. Elas que juntas se fizeram.
E seguem em lados paralelos, que se ziguezagueiam vez em quando. Elas que se amavam na outra. Elas que juntas se desfizeram.
E quando em seus quartos, agora separados, se maquiam e se vestem, tomam cuidado com a cor do batom, e escolhem o vestido pensando no tom. Porque a outra está lá fora, em algum lugar, e os gostos são os mesmos, e as roupas são as mesmas.
E quando em seus espelhos, agora separados, se penteiam e se mascaram, tomam cuidado com a forma dos cabelos, e são pensativas ao cobrir os olhos. Porque a outra lá fora pode não estar, e os gostos são outros, e as roupas são feias.
E seguem nas oitavas dos cantos, desafinando vez em quando. Elas que agora se arrependem, de não ter aproveitado a chance que tiveram, de reaprender anualmente a se habituar com o inverno.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Constatações de um sábado à noite

O cheiro do mar, à noite, é doce.

As Tetas da Fafá de Belém são tão grandes, que funcionam como lupas: podemos ver as veias azuladas que drenam sua libido para as pregas vocais.

O trânsito de São Paulo é desesperador, mas tem saídas; o trânsito do Rio é desesperador quando não tem saídas.

Minha amiga Juliana Palermo canta Todo Sentimento do jeito que eu gosto; Cristovão Bastos toca Todo Sentimento do jeito que eu gosto - lógico, a música é dele.

O túnel de São Conrado só tem mesmo luz no fim do túnel.

Eu ando me emocionando só com a idéia de poder criar.

Sérgio Britto talvez seja eu amanhã, tamanha a identificação.

Fafá de Belém é bandida e solta na vida.

Chico Buarque de Holanda me faz chorar pelo encantamento do fazer, mais que pelo conteúdo; mas também pelo conteúdo, dependendo do conteúdo e do dia, obviamente.

Os cariocas são, no geral e infelizmente, muito mal-educados.

É interessante estar em silêncio e só, para ouvir o tilintar do gelo no copo, como um guizo de cabrito, enquanto andamos pela sala, descalços, bebendo água.

Nada como fazer cocô no aconchego do sentir-se em casa, e de portas abertas.

Jazz contemporâneo mal-feito é demasiado chato.

Definitivamente, preciso a aprender a usar o Nextel.

O Rio é tão bonito à noite, quanto o é de dia! De dia, brilha a praia, à noite. brilham os morros. E os olhos... Ah, os olhos brilham sempre!

Lapa Brasil

Nesta noite, que em breve irei finalizar em sono cansado, posso dizer que fui ao centro do Brasil. Sim, eu estou sóbrio, e posso dizer que fui ao centro do Brasil. E o centro do Brasil, para minha surpresa, está no Rio de Janeiro; mais especificamente, na Lapa Carioca.
Já estive na Lapa diversas vezes, sempre de forma nostálgica, em busca daquela tal malandragem de navalha que ouvimos nas canções e lemos nos livros e peças por aí. À última vez que estive no Rio, fui novamente à Lapa e notei um fervilhar mais envenenado. Mas estava com amigos, e não pude fazer o que fiz hoje, sozinho: explorar.
Explorei a Lapa de cabo a rabo, em meio a mendigos, playboys, putas, gays, patricinhas, malandros, lésbicas e sapatões, punks, emos, hippies, ladrões, ambulantes, gringos de todo o mundo, e cheguei à conclusão de que, se hoje o Brasil tem algum centro, este centro está lá, na Lapa Carioca.
Não só pela miscigenação racial, sexual e cultural, mas também, e principalmente, musical. Em meios a milhões de boates e bares, colados lado a lado, podemos ouvir, em vinte passos, uma variedade musical que engloba samba de raiz, samba de favela, samba de roda, roda de samba, cocada, frevo, axé, pagode, funk carioca, funk funk mesmo, jazz, soul, rock heavy, rock melado, todos os tipos de música eletrônica, samba-enredo, e assim vai... Só não aparece o tal sertanejo universitário, o que mostra que o centro do Brasil é, ao menos, um pouco centrado.
E o mais interessante é que não dá nem vontade de entrar nas baladas. A rua ferve e pulsa sozinha. E é lotada por uma fauna espetacular.
Depois de perambular muito, até os pés e as costas gritarem, me percebi um pouco perdido na minha nacionalidade. Sentia que estava no centro do país, mas não conseguia encontrar exatamente a brasilidade que estava procurando. Lógico que não. Que constatação imbecil. Eu estava no meio dela. A brasilidade era tudo aquilo. A mistura. O bololô. O mexidão. A gororoba brasileira que tanto amo! Mas – pensava eu – se eu fosse um gringo e quisesse me sentir no Brasil, do que precisaria? E, pensando assim, passei em frente ao Carioca da Gema, uma espécie de casa de gafieira, e pelos graves que o bumbo latia lá de dentro, cheguei à conclusão de que, em meio a toda a diversidade brasileira, a única que unia a tudo e a todos era o bom e velho samba de terreiro, a verdadeira origem de toda a mistureba desta terra.
E assim, depois de sambar sozinho até as quatro da manhã, finalizei a noite voltando pra casa em um táxi onde só tocava música do Senhor, enquanto comia um acarajé tão fresco que era digno de trabalho. Mais brasileiro que isso, só dançando rumba com maracas e camisa de babados, e tendo como capital do país, mí Buenos Aires querido.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Amor Amor

É linda a capacidade do amor de se habituar com os regozijos que ele mesmo gera.

Meu amor nunca foi tão puro, tão amor e tão amado. Aquele amor que é solto, que plaina.

Livre de querer ter o que simplesmente é e precisa ser para poder ser o que é.

Preso apenas no sentimento mais verdadeiro de querer tanto o bem da pessoa amada, que parte o pão sem sequer pensar na falta que a metade presenteada fará. Mas que também nunca deixa de comer, pois precisa viver para assim poder amar.

Aquele amor que ri o riso do outro.

Aquele amor que abraça sem força, sem garras, mas com todo o tônus que o aconchego da alma pede.

Aquele amor que toca e não arranha, e que quando arranha é porque toca.

Aquele amor que gera a saudade, vive a saudade e mata a saudade, dia-a-dia.

Aquele amor que quer amar assim para sempre, que ama com os olhos, não com a pele, que ama com os pulmões, não com o coração.

Ah, aquele amor... Esse amor... Que não é meu amor, por não ser meu, por ser somente amor amor.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Perda

A cada lágrima escorrida, uma dor lancinante no peito.
Terrível é sentir a própria voz fazendo a outra voz tremer.
Vontade de voar atrás das palavras ditas, de recolhê-las e engoli-las ao que é sombrio e não-dito.
Desejo de apagar e reformular os gestos. De borrar os olhos pra que não se expressem tanto.
Correr atrás do tempo.
Pegar os cacos com as mãos desnudas, para que o sangue possa jorrar e, quem sabe assim, colá-los na forma que outrora foram.
Medo de jamais conseguir reconstruir. Medo das cicatrizes que causei. Medo de ter esquecido, ou pior, perdido algum pedaço, algum retalho.
Medo do pedido de desculpas não ser suficiente. E não é, eu sei. Não é porque para mim mesmo não está sendo.
Vergonha do impensado. Vergonha do impulsivo. Vergonha da impertinência.
Que o perdão possa um dia levar consigo qualquer rastro, qualquer resto, qualquer fiapo ou excesso da dor que um dia causei.
E se esta dor insistir em doer, que doa em mim mil vezes mais do que em quem sempre amei.

Cristais Eduardo - Agora, O Fato!

Parece que nem tudo está intacto. Parece que, ainda assim, continuam tentando. Parece que tudo o que é digno, hora ou outra se cerca do que parece ser, e hora ou outra acaba sendo, abusivo. C´est la vie.

Reportagem sobre a Cristais Eduardo (link abaixo), enviada para mim pelo repórter Edmundo Oliveira Leite Junior. Ao Edmundo, obrigado!

http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid241086,0.htm

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Aos Emos que Amo

Me preocupo com aqueles que eu amo.

A preocupação muitas vezes beira a prepotência de pensar saber o que é melhor ou pior para o próximo. Beira, e às vezes acaba caindo. E isso será sempre assim. De todo modo, a minha linha de vida acabou me levando a eternos e constantes treinamentos na sutil arte da observação do outro, para fins terapêuticos ou artísticos, tanto faz, uma vez que tenho como foco, sempre, o desejo de melhorias na vida do observado. Posso falhar, como posso acertar.

E isto é para dizer que vejo, ao meu redor, pessoas queridas se emaranhando em teias e tramas de sentimentos depressivos e depreciativos, pensamentos distorcidos por carências da alma, atitudes destrutivas e viciadas, e o que é pior, procurando, inconscientemente ou não, o convívio com pessoas que só catalisam e potencializam suas amarras.

O meu desespero e cansaço é perceber nestes que amo um movimento contrário ao que os faz crescer, uma vez que é este o principal objetivo da crise. A sensação que tenho é que estão mergulhando cada vez mais fundo e nem tentam nadar em busca de uma tomada de ar. Parece que se apóiam uns nos outros e procuram terceiros com quem possam, como os jovens emos neo-existencialistas, criar aos poucos uma sociedade da melancolia, dos infortúnios, uma sociedade da desilusão, permeada por laços de lágrimas e de abandonos.

Aos que eu amo, e por tudo que sinto, desejo que carreguem suas cruzes com mais classe. Que não deixem de sofrer, se o sofrimento é realmente necessário, pois isso pode empobrecer o espírito, mas que possam rir mais, não dos outros, mas de si próprios, e hoje, sabendo que amanhã é exatamente isso que farão. Desejo que percebam que aqueles que só os confortam no estado em que estão, causam somente o malefício da repetição do nada. Que notem que as mudanças devem ser dolorosas para serem realmente mudanças. Que saiam de suas zonas de conforto, que olhem para cima e sorriam, e dancem ao som do silêncio que os habitam, e que bebam suas próprias lágrimas, para que estas não sejam derramadas em vão.

Desejo que passem pelos estreitamentos dos renascimentos da vida com a mesma audácia com que vieram ao mundo, e que chorem como da primeira vez, pela dor do ar escancarando seus pulmões e os preenchendo com a beleza e alegria de estarem vivos.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Cristais Eduardo

Nos arredores de minha casa existem três grandes obras, de três altos prédio, imponentes, que em breve surgirão.
Acordo todos os dias com o bate-estacas gritando, fazendo tremer o chão onde piso.
Hoje, passando mais perto, enfrentando de frente os gigantes que estão por vir, percebi, na exata interseccção das três construções, um casa ainda menor que a minha. Não apenas uma casa, uma loja. Pensei como ela estaria sobrevivendo aos maiorais quando, olhando bem, vi que não era uma loja qualquer. Era uma loja de cristais finos. Finos, finos, bem finos. E intactos aos terremotos das máquinas que os cercam. Sem um trinco, uma lasca, uma rachadura sequer.
E, como o fato não poderia se tornar mais simbólico, notei o nome da loja: Cristais Eduardo.

C´est la vie!

À Noite

A lua, ontem, era de fino traço. Era adornada por pequenos pontos.
O ar ventava, mas o vento estava parado.
Os passos, meus e de outros, ecoavam sobre viadutos.
Os gatos, pardos, cruzavam seus sentidos.
Assim são as noites banhadas pelo meu olhar.
São cenários varridos e brilhantes, de energia estática e expectante.
Minhas noites são meus palcos.
É à noite que renasço diariamente. É quando visto minha máscara preferida. É quando de elegância lavo meus trajes.
E escolho desfilar por onde passo, sobre pés ou rodas. E me incluo na vida pulsante. E enxergo melhor, porque a luz é melhor. E corro, e salto, e latejo.
É à noite que minha voz está afinada, que entôo meus pensamentos em cânticos. É quando sigo ereto e enxáguo, com meus hormônios, tudo que minha alma consegue ver.
É quando dou cria às sinapses, quando acasalo os insights, quando sorrio pelo peito para poder beijar com a boca.
À noite sou mais fálico, maníaco, mais bicho e mais humano. Sonho sem dormir. Viajo sem sair.
Que o sol brilhe sempre, para poder se pôr.
As noites serão, sempre, e já são, só minhas.
Pobres os santos, donos apenas dos dias.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Coração de Diamante

Eu não consegui! Não consegui me desapegar das cinzas. Não pude lançá-las ao vento, nem ao mar. Fui egoísta, materialista, possessivo. Preferi transformá-las em diamante. Bruto. Brutal. Rígido. Denso. Um coração de diamante, onde jaz quem eu tanto amei, quem eu ainda amo.
Ando com ele pendurado contra o peito, guardião das minhas dores e das batidas do meu pulso. Um amuleto ensimesmante e aprisionador de minha alma, da porção Eros do meu Ser.
Tornei-me zumbi e um renegado do amor. A morte de um, que acabou matando dois. Que triste esta condição a que me dispus. Mas não consigo tentar, tampouco tentar tentar.
Eu, preso no chão. Ela, presa no ar. Eu, amarrando-a em mim. Ela, pesando meu andar.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

P U T O

Uma pessoa passa a toda pelo sinal vermelho e acerta em cheio o meu carro. Uma pessoa estava com outra pessoa, e se machucaram. Estavam sem cinto de segurança. Meu carro, todos sabem, é levado para um cemitério de automóveis. Morte súbita!
Meu carro tem seguro. O da pessoa, não.
O pai da pessoa diz que a pessoa é meio abobalhada. Que não devia pegar carro. Se vivo hoje é por Deus, não por essa pessoa.
O pai da pessoa me liga dois dias depois e tenta me subornar para assumir a culpa.
A amiga do pai da pessoa me liga algumas horas depois, e tenta me subornar para assumir a culpa. “Nem que fosse o Papa”, são minhas palavras.
Quinze dias depois, hoje, me liga o suposto advogado da pessoa. A pessoa dizendo que estava amarelo. A pessoa dizendo que veio pela direita e tinha preferencial. A pessoa, que nem tentou frear e que é, segundo o próprio pai, meio abobalhada, é muito simples na hora de pedir, e muito esperta na hora de se virar.
Me deixa puto! A injustiça me deixa puto! Sei que isso não vai dar em nada. Sei que comigo vai ficar tudo bem. Mas o simples fato das tentativas de suborno e agora essa palhaçada de advogadinho de porta de cadeia querendo sair por cima, me deixam PUTO!!
Quantos prostitutos existem neste mundo.... Quanta sacanagem e falta de dignidade!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Procuração

Tem gente que senta e desfia a vida dos outros. Tem gente que veste.
Tem gente que senta e avalia a vida dos outros. Tem gente que voa.
Tem gente que senta e vaia a vida dos outros. Tem gente que grita.
Tem gente que senta e comenta a vida dos outros. Tem gente que vive.

Tem gente que nasceu pra sentar e olhar. Tem gente que nasceu para sonhar e andar. Olha pra cá, camarada! Pode falar, pode falar, pode babar pelo meu caminhar. Quando, qualquer dia, eu decidir voltar, saberei certamente onde te achar. Já você, camarada, se decidir me encontrar, não terá idéia de por onde começar.

Casa

Onde eu moro a voz de uma mulher abafa o som da construção;
onde eu moro, as flores da velha senhora crescem em cores surpreendentes;
onde eu moro, o sol bate de cima, de lado e de dentro;
onde eu moro, tem jogo de amarelinha desenhado no asfalto;
onde eu moro, tem espada de São Jorge desviando mal-olhado;
onde eu moro, o tempo passa diferente, deixando a gente ser mais a gente.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Peter Pan

Fui atentado outro dia, não por um qualquer, mas por alguém que vale a pena escutar, sobre a chamada Síndrome do Peter Pan. Sabe, a criança adulta que se recusa a crescer? Pois é, atentaram-me a isso.
Será? Será mesmo?
Já tinha pensado nisso, muito mesmo, há um certo tempo, mas achei que já havia superado tal Síndrome. Acho ainda.
Sempre me identifiquei demais com a sintomatologia, com minha comunhão com filmes que tratavam do tema – quem nunca viu “Em Busca da Terra do Nunca”, que não perca.
Mas hoje minha visão é outra... Não acho que seja síndrome, no meu caso. Simplesmente por não ser "um conjunto de sinais e sintomas", no meu caso. No meu caso, chama-se personalidade.
Síndrome, acredito eu, tive enquanto era criança. Isso sim, não muito saudável. Porque quando criança, tive a Síndrome do Capitão Gancho. Eu era uma criança adulta, hiper-responsável, independente, que achava as outras crianças tolas e se interessava nos assuntos e problemáticas dos adultos. Gostoso, para mim, era ouvir e me meter nas conversas dos adultos. E quase não fazia nada de errado, e estudava muito, e era bom em tudo o que me propunha a fazer.
E hoje, depois de adulto, achei minha criança. Que continua a mesma criança adulta de antes, continua responsável, preocupada, mas que não perdeu o olhar de criança do mundo. Como vejo beleza e novidade por aí! Como tenho esperança! Como acredito na transformação! Como vivo em poesia e não em prosa!
Peter Pan... Peter Pan era meio bobão, que imitava galo e batia as asinhas por aí. Eu? Eu não! Eu não vôo, caminho. Não cacarejo, canto. Não sou fixo, cresço.
Agora, se a transgressão, a transcendência, a beleza, o sonho e a arte forem sintomas, aí sim, talvez eu seja mesmo um sindrômico! E se assim for... Por Deus! Amém!!

Cheiro de Dona Olímpia

A rua hoje estava cheirando à Dona Olímpia. Um cheiro doce, mas não enjoativo.
Dona Olímpia era uma professora de Ciências da minha época de colégio. E o perfume dela ficava mais intenso em dias como hoje, dias frios mas não tanto, chuvosos mas não tanto. Dias de preguiça, em que a estática do ar é estranha, em que as pessoas falam baixo e pensam devagar.
Em dias assim, o ônibus ia dormindo. Podíamos ouvir as respirações. As pessoas ficavam mais nas salas de aula durante o recreio, e poucas corriam.
As aulas de Dona Olímpia eram sempre as últimas. E o perfume dela, aquele perfume de aconchego, me acompanhava de volta para casa, se misturava um pouco com o gosto do Todinho que eu preferia guardar para depois em dias como esses; dias como hoje. Dias que passavam calmamente, sem euforia nem tristeza, nem pretos nem brancos, dias comuns e gostosos, em que não havia obrigações de sairmos de dentro de nós mesmos.
Gostava de dias assim; gostava de Dona Olímpia; gostava de chegar em casa com sono e cansado, e não pensar em nada, e não me preocupar com isso.
Hoje, a rua estava cheirando à Dona Olímpia. Hoje, o dia estava calmo. Hoje, eu me fui essencial.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Cubalançando

Essa noite fui pra Cuba. E Cuba não ia lançar foguetes. Não fui ver Cuba lançar! Fui relaxar. Tomar sol e dançar salsa. E foi boooommm....
Outro dia estava refletindo na quantidade de coisas que nós perdemos da vida, vendo Cuba lançando. Tantas vezes que deixamos de prestar atenção em nós mesmos, nos nossos estados internos e nos outros estímulos naturais externos que temos à nossa disposição, só porque não podemos desviar o olhar dos lançamentos de Cuba. Como nossos instintos nos atrapalham e nos boicotam. Incômoda necessidade humana de se proliferar. E tudo isso porque já estamos bem evoluídos. Em épocas cavernosas, provavelmente iríamos à praia e nos lembraríamos apenas das bundas que vimos passando. Havia mar? Não sei. Morros? Não sei. Bundas? Opa, várias!
Freud já morreu há muito tempo, terráqueos! Não precisamos mais agradar ao cadáver. Temos pornografia de fácil acesso, sexo de fácil acesso, pela Internet, por telefone, 24 horas, boates que se tornaram verdadeiras saunas eróticas... Dá tempo de relaxar, vai. Dá tempo de vislumbrar algo mais elevado, vai. Dá tempo de ir à Cuba, desencanar dos foguetes e simplesmente gozar do ar respirado! E dançar, e dança e dançar sob o sol poente!

domingo, 10 de agosto de 2008

Savoir Vivre

Dizem que quando estamos para passar desta para outra, não sabemos se melhor ou pior, nossa vida passa como filme pela mente.
Eu sabia, então, que não seria desta vez. Nada passou pela minha mente, a não ser a imagem de uma pista de carrinhos de bate-bate de parque de diversão.
Paguei a língua; nem tudo é rotineiro no interior. Ver uma amiga cantando na praça, vazia, debaixo de chuva, com uma, somente uma pessoa inspirada dançando molhada, fingindo que estava se divertindo, e emendar o evento com uma colisão – em termos policiais – fenomenal, que acabaria em perda total do veículo – também em termos policiais - não é para qualquer noite de sábado.
Dar risada com amigos, cantando e dançando samba, numa noite gelada e chuvosa – digo, na mesma noite gelada e chuvosa – em frente a um carro – meu carro – travestido de lata de atum amassada, dobrada ao meio, enquanto a viatura policial e a equipe de resgate realizavam seus trabalhos, não é para qualquer noite de sábado.
Passar por um acidente deste naipe sem um arranhão sequer, para conseguir dançar e cantar samba em frente ao ocorrido, não é para qualquer noite de sábado.
Passear na delegacia e se entreter com cartazes de desaparecidos rabiscados de forma jocosa pelos próprios policiais, como este:

FULANO – DESAPARECIDO
(A foto do Fulano era especial: o Fulano estava vestido de caipira, com chapéu de palha junino e tudo.)
SOBRANCELHA CORTADA
Obs.: A última vez que foi visto estava na rodoviária, por volta das 21:00. Estava com uma guitarra, chapéu, calça rasgada e uma caixa de som preta.

... não é para qualquer noite de sábado.

Passar fome de madrugada e brincar de bandido no banco de trás da viatura não é para qualquer noite de sábado.

Sim, lição aprendida.
Não encha o tanque do carro antes de dar uma PT.
Não mande o carro para a oficina para ele ficar sem arranhões na lataria, antes de dar uma PT.
Tome muito cuidado antes de ir ver uma amiga cantar: você pode passar por um seqüestro relâmpago e roubo de veículo à mão armada, ou dar uma PT – sim, aconteceu comigo;sim, ambas as partes; sim era a mesma amiga; sim, era o mesmo carro.
Cuidado com esta minha amiga (ou com quem toca soul com ela).

Sim, lição mais que aprendida.
É importante ter “as mesmas pessoas” no interior.
É importante ter “as mesmas pessoas” em outros lugares.
É importante criar novos assuntos com “as mesmas pessoas” – mas não necessariamente de forma tão intensa como esta.
É importante esquecer a partitura, deixar de lado a leitura, viver a aventura e se jogar na viatura.

VENHA PARA CAMPINAS! ELA TE ESPERA DE RISOS ABERTOS!

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Tempo

Peraí, peraí, calma!
Deixa primeiro eu me engolir, pra depois me tornar irresistível.
Me dá mais um tempinho.
Un ratito, tío, y nada más!

Impaciência

U-hu! Que legal! Vai ter uma festa super supimpa! Vai ser lá, no mesmo lugar! Vão as mesmas pessoas! Serão as mesmas bebidas! Ah, e os mesmos assuntos! O-ba! Que tuuuudo de boooom! Cada um no seu cantinho, olhando o cantinho do outro. Hahahahahahahahahahahaha!!! Ai, que divertido! Eu não vejo a hora!! Nooossaaa, você não sabe! Na semana passada, aconteceu uma coisa muuuuito biruta! O Fulaninho ficou tão bêbado, que foi falar umas coisas pra Fulaninha, que deixou ele falando sozinho. Hahahahaahahahaha. Foi super divertido! E a Beltrana anda meio estranha... Meio sem dar risada. Que estranho gente triste. Mas a Ciclana tá emagrecendo, e a Outra Lá, só engorda. Tadinha. Ah, te contei que eu ia pular de pára-quedas? Mas eu não posso mais. Lembrei que vou fazer a unha no mesmo horário. Nossa, esse final de semana está lotado de eventos!! Olha, te espero lá na festa, hein!! Vai ser eletrizante!! Um Suuuuuper beijo! Te adoro!!

VENHA PARA CAMPINAS! ELA TE ESPERA DE BRAÇOS ABERTOS!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Rouquidão

O que tusso eu nos meus dias de seca?
Sinto às vezes o buraco tão fundo, que a aflição erupta o nada. Nada sai. Nada vai. Nada vem.
A cabeça lacrimeja em divagações chulas e nulas.
O corpo reage com forte inércia, preguiça e fraqueza.
É uma gripe sem vírus, uma febre gelada.
Mas a tosse insiste em falar, e fala por mim e por ela. Mas não fala nada. Só tosse. Uma tosse que tosse a si própria. Seca. Incolor. Quase muda.
E tossindo, e tossindo, vago pelo labirinto que eu mesmo construí, querendo sair, mas sem procurar a saída. Querendo ganhar sem jogar. Esperando a parte que me cabe deste cosmifúndio.
E então, me pergunto sem querer responder sozinho. Me pergunto querendo ajuda, desta vez. Me pergunto sem Me perguntar: o que tusso eu nos meus dias de seca?

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Do Rio

É importante tirar os óculos pra perceber o real azul do mar. Tirar os sapatos pra sentir o real teor da areia. Livrar-se dos fones pra ouvir o ruído das ondas. Calar a música e cantar o canto dos ambulantes.
É importante despir a pele e se deixar queimar. Invejar os corpos e se deixar suar. Liberar a alma e desejar o toque.
É importante destravar a língua e arranhar o R. Relaxar a boca e chiar o S.
É importante aprender que, frente ao sol e ao samba, a importância que importamos, não importa nunca.
É importante apagar a Mooca, esquecer da Oca e se sentir carioca.

domingo, 3 de agosto de 2008

Pronta!

Pronto.
Estou pronta. Já posso usar a roupa que eu quero, e não preciso mais difamar o que no fundo eu gostaria de ser.
Pronta. Já me olho no espelho e me gosto.
Já me lambuzei de alma leve. Meu olhar é mais branco. Passei alvejante nos dentes e encerei minha pele.
Entreguei meus cabelos. Pode usar, sob minha cabeça quero chapéu furado e arejado.
Estou pronta. Estou ágil. Posso andar nua, ou quase.
Posso ser mais uma, se eu quiser. Não preciso ser mais a outra.
Olha pra mim, olha à vontade. Pode olhar que eu me mostro a você. Não temo nada.
Olha pra mim. Pode comparar à vontade. Sou mesmo parecida com tantas, sou mesmo melhor nisso e pior naquilo. De que importa. Sou eu mesma quando quero, sou as outras quando quero. Não me escondo mais na raridade ou na diferença. Olha, compara, escolhe e compra!
Visto camisola branca e curta, visto as pernas de fora, saio de madrugada, me deixo molhar pela garoa e me transmuto na translucidez.
Estou pronta. Estou lúcida, translúcida, transformada, transsex; transportada por mim mesma.
Estou pronta. Pega a chave, tranca a porta e me deixa pra fora. Estou pronta. Estou feliz.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Compre Bem

A: Seu troco, senhor.
S: Obrigado.
A: Próximo, por favor. Nota fiscal paulista? Cartão fidelidade?
S: Ah, desculpe - olhando a nota, depois de já ter aberto uma das latinhas de Skol que acabara de guardar na sacola plástica - o que é isso aqui?
A: É sua salsicha, senhor.
S: Mas tá errado - um gole de cerveja - lá dizia que custava 2,50. Aqui tá marcando 4,25.
A: Não, senhor - analisando a salsicha - o valor é esse mesmo.
S: Não, está errado. Lá dizia 2,50 - mais um golinho da cerveja geladinha.
A: Só um minuto.

Ele sai de trás do balcão. A fila atrás de mim cresce. O moço da salsicha continua sereno, bebendo sua cervejinha.

A: Senhor, é isso mesmo. O senhor leu errado. 2,50 é a Salsicha Compre Bem. O senhor pegou a Sadia, que é 4,25.
S: Mas lá estava marcando 2,50.
A: Sim, estava marcando 2,50 e escrito "Salsicha Compre Bem". A Sadia é outro valor.
S: Então não vou levar. Vou devolver - e outro gole sereno.
A: Só um momento. Oh, Luis, cancela aqui pra mim.

Vem o Luis.

Luis: O que foi.
A: Este senhor pegou a salsicha errada. Ele achou que custasse 2,50.
S: Mas custa 2,50.
A: Não, senhor. Esta aqui não custa 2,50. Esta é a Sadia, custa 4,25. A de 2,50 é a Compre Bem.
Luis: Não dá pra cancelar. Já fechou a nota. Oh, Gislene, vem aqui um pouco.

Vem a Gislene. Eu na fila. Ah, este era o caixa 10 volumes.

Gislene: O que foi?
S: Lá estava escrito 2,50 e na nota saiu 4,25.
A (já bem alterado): 2,50 é a Compre Bem. 4,25 é a Sadia. Ele pegou a Sadia, achando que era 2,50.
S: Eu não vou levar - a latinha de cerveja já quase acabando.
Gislene: Não dá pra cancelar o item. Precisa cancelar a compra toda e devolver 4,25 pra ele. Depois precisa passar a compra de novo, sem a salsicha. O senhor não vai querer a salsicha, né?
S: É 4,25 ou 2,50?
Gislene: Depende da salsicha, moço. A Compre Bem é 2,50. O senhor vai querer a Salsicha Compre Bem?
S: Não, eu queria essa daqui. Tava escrito 2,50, mas aqui saiu 4,25, então não vou querer. Vou devolver.
Gislene: Tudo bem. Cancela a compra dele, devolve 4,25 e depois passa tudo de novo, sem a salsicha. O senhor não quer mesmo a Compre Bem?
S: É 2,50 ou 4,25?
Gislene: É 2,50.
S: Então porque saiu aqui 4,25?
A: Porque essa não é a Compre Bem! A Compre Bem é 2,50. Essa é a Sadia. O senhor quer que a gente pegue a Compre Bem?
S: Não é essa aqui?
Gislene: Não, essa é 4,25. A Compre Bem é a outra.
S: Quanto é a outra?
A: 2,50.
S: Não, não vou querer não. Vou devolver.
A: Tudo bem, Gislene. Obrigado.

Era uma segunda-feira. Fim do dia. As filas ao lado estavam enormes, enormes. Eu tinha menos de 10 volumes. Eu não merecia passar pela saga da salsicha. Até uma velhinha japonesa, com um chapéu de palha pendurado no pescoço se irritou e saiu da fila. Havia um silêncio constrangedor, um absurdamento latente, mas ninguém falava nada. Ou esperava, ou desistia, e ele bebia cerveja, como se aquilo fosse uma conversa de boteco. Eu estava com um sentimento estranho: um mix de raiva, indignação e alegria. Aquilo foi estranhamente engraçado.

Um fato importante. Não aconteceu no Rio de Janeiro. Aconteceu em São Paulo mesmo.

sábado, 26 de julho de 2008

Um brinde... Adeus!

Acho que o maior sinal de que estamos envelhecendo é a transformação de nossa relação com a morte. Não só com a nossa, mas com a dos outros.
Quando crianças, ouvimos falar de mortes, longes, distantes. A morte de pessoas que, quando nascemos, já estavam mais pra lá do que pra cá, ou se não, morte de pessoas que nós, por ainda sermos verdes, não tivemos a chance de conhecer a fundo, pessoas que não participaram de nossas vidas. E isso fica distante, como uma tela pendurada, da qual somos apenas observadores.
Sábado passado, morreu Dercy. E eu fiquei extremamente emocionado com sua ida. Chorei, fiz questão de propor brindes e brindes, e se tivesse peitos, eu os mostraria em sua homenagem. Se fosse dez anos atrás, seria mais um dado, mais uma notícia. Sábado passado, foi uma vivência.
Eu não a conhecia a fundo, e nem era um grande fã, apesar de tirar o chapéu pela sua trajetória e pelo seu papel na história dos palcos brasileiros, história da qual sou também personagem, ainda em começo de gênese, mas sou. Enfim, de qualquer forma, ela fez parte da minha existência. Fez parte do meu in e con scientes. Deu tempo.
E isso tende a se intensificar. Hoje, digo que não temo a morte. Não a minha. Mas que medo eu tenho de nunca mais poder abraçar os que eu amo.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Paulicices

Ele, um velho mendigo, com um dos olhos tapados por um pedaço de pano sujo, que um dia fora uma gravata de um executivo da Avenida Paulista.

Ele, um velho manco e bem vestido, com um sorriso estampado nos olhos, vindo de um lugar desconhecido, indo a um lugar desconhecido.

Ele, um velho negro com uma pequena folha verde nas mãos, caminhando na Rua Augusta, em meio a hypes, intelectuais, artistas, e prostitutas.

Ele, com um dos olhos tapados, vagando por lojas de decoração da Baixa Teodoro, não pôde enxergar direito, por estar com um dos olhos tapados, ou por estar exageradamente bêbado, e ao meio.

Ele, manco mas sorridente, enxerga exatamente três figuras entrando no elevador de onde ele saia, rumo ao desconhecido, e além das três figuras enxerga.

Ele, com os ouvidos absolutos cansados de buzinas e gritos, encontra conhecidos em uma mesa na calçada, e senta.

Ele, não enxergando direito, vê na fachada de uma das lojas, um ornamento dourado em contraste com a parede de granito preto, enorme e redondo, que para nada deve servir, mas que para ele é um cofre gigante que esconde tudo o que a ele falta.

Ele, enxergando além das três figuras, observa em especial o antebraço do entregar da padaria vizinha, que acabara de entregar uma média e um pão na chapa à secretária do escritório, e que agora entrava no elevador de onde ele saia, para voltar à padaria.

Ele, cansado das buzinas e gritos, e especialmente cansado do riso escandaloso da amiga do amigo que na mesa da calçada sentado estava e a quem ele se juntara, leva a pequena folha verde à boca.

Ele, decidido a abrir aquilo que para ele era um cofre, mas que sabemos nós que para nada servia, segura firmemente o ornamento dourado e em um impulso de toda a força que lhe resta, tenta primeiramente girar, na obviedade de ser um cofre, e não conseguindo nem um movimento do ornamento, puxa.

Ele, observando o antebraço do entregador, além de pele, ossos e nervos vê a fechadura que ele sempre buscara, a fim de encaixar a chave que com ele nascera, e que ele sempre carregara.

Ele, cansado de tanto silêncio barulhento e levando a pequena folha verde à boca, começa a emitir notas de um trompete, calando o riso escandaloso da amiga do amigo, e calando qualquer som despropositado daquela madrugada.

Ele, que mesmo puxando não consegue nada, junta os cacos de sua força embriagada, e apoiando os pés na parede de granito da fachada, e agora acompanhado de um grunhido como efeito sonoro, mais uma vez, puxa.
Ele, vendo a tão sonhada fechadura para sua chave no antebraço daquele entregador, ataca com a chave imaginária em punhos, e a enfia com finco na fechadura que só ele via, e que nós sabemos que não havia.

Ele, na proeza de produzir um bolero com a pequena folha que em seus lábios pendia, abrilhantava uma rua suja e continuava silenciando a gritaria.

Ele, com um dos olhos tapados e cansado de tanto tentar e nada conseguir da vida, esbraveja, xinga, se lembra por um milésimo de tempo do porquê que é mendigo, cambaleia e decide tentar seguir caminhando.

Ele, percebendo que sua fechadura não era nada além de um antebraço de uma figura desconhecida, por dentro rindo da cara de questão do espantado entregador, segue por fora só sorrindo, com o mesmo sorriso com o qual a pouco saíra do elevador, e rumo ao por nós desconhecido, continua mancando indo.

Ele, soprando na pequena folha verde o resto da última nota de sua melodia, recebe os aplausos que tanto merecia, sorri com orgulho, e se apresenta “O Folhinha”.

Erikah Badu

Será que o que sinto, sinto?
Ou será que o que quero, sinto?
Mas quando não quero e sinto
Ou quando quero e não sinto?
Então, sinto o que sinto.
Mas o que hoje sinto
Amanhã já não sinto.
Será que minto?
De onde vem o meu pinto?

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Especial

É inevitável sentir-me especial no dia do meu aniversário. Pessoas que me amam expressando esse amor, pessoas que não me amam tanto esforçando-se para fingir que sim, e algumas pessoas que não me amam mesmo, perdendo seus tempos para mentir que sim. De qualquer forma, somos lembrados e pensados por todos que estão à nossa volta – ou, pelo menos, pelos que têm a ajuda de um orkut; passamos com um certo destaque pela mente, e/ou pelo coração, dos que nos conhecem.
E como é bom, e importante, receber votos.
Eu... Fico um pouco nervoso. Sendo uma vergonha para meu signo, não sei direito me sentir especial. Sei me sentir assim quando estou agradando alguém, mas não sendo agradado. Quando estou realizando algum tipo de proeza, algum tipo de trabalho, algum grande gesto filantrópico, até que tudo bem me sentir especial. Mas me sentir especial pelo simples fato de existir... Meio difícil, para mim. Ganhar presente, então... Quase peço desculpas.
Ah, o eterno aprendizado de aprender a só receber...
Sinto que tenho tanto a agradecer por ter pessoas especiais à minha volta; sinto que tenho tanto a agradecer por estar vivo e por poder respirar para soprar velinhas, que fico mesmo nervoso. Que peço mesmo desculpas. E aí.... Eu choro. Choro por qualquer palavra mais sincera, por qualquer gesto recebido. Passa nos meus olhos o filme retrogrado da minha vida várias e várias vezes. E filosofo, mais do que nunca. E me preencho de sentidos e de significâncias. E olho para cima, sentindo-me parte especial deste todo, e... Choro. E o telefone toca incessantemente... E a caixa de e-mails lota. E eu? Eu choro...
Piegas, eu sei. Mas para mim, é realmente um reveillon. Aliás, choro bastante no reveillon, também. Choro bastante em finais de filmes e livros, também. E em finais de novelas que eu nem assisto. Finais de ciclos. Finais e Reinícios... Choro. Lavo a alma, por poder sentir na pele, sentir minha pele, meu pulso, meu ar. Feliz Ano Novo para nós, então, meus amigos e meus amores! E, pra ficar um pouco mais fácil... Obrigado!

terça-feira, 22 de julho de 2008

Última consideração

O Homem sofre de Amor, porque o Homem não sabe Amar.

Definitivamente... Às bananas!

Réplica Presumida

“Para você é fazer dizer. Você tem um amor”

Não, eu não Tenho um amor. Eu Amo!

“Tudo bem, você tem a quem amar”

Tenho...
Você não?

Comamos Bananas!

Quanta gente por aí sofrendo de amor... Ou da falta dele, ultimamente. Que febre!
Pessoas inteligentes além do comum, talentosas além do comum, bem sucedidas de uma forma ou de outra... Quanto medo de morrer só por aí. Que febre! Que amor?
Quanta gente rodeada de gente sentindo-se só. Quanta gente só, sentindo-se só. Quanta gente inserida no mundo sentindo-se fora dele, por não ter outra pessoa ao lado. Quanta gente com outra pessoa ao lado sentindo-se fora do mundo por não perceber a pessoa ao lado. Quanta gente inserida no mundo sentindo-se só por não perceber o mundo ao lado. Quanta carência... Quanto vazio... Que amor?
Aos poucos deixa de ser real, e passa a ser modelo de comportamento. Aos poucos passa a ser assunto único de mesa de bar. Aos poucos, só serão aceitos na sociedade os que se queixam de estarem sós. Aos poucos, torna-se fashion. Aos poucos, torna-se hippiechic. Que charmoso me sinto quando sofro de amor... Ou da falta dele. Quanto amor desperdiçado. Amor?
Quanto apego. Quanta infidelidade. Quanta pieguice. Quanta banalidade.
Me pergunto: de que adianta tantos avanços tecnológicos, tanta tecnomusic, tanta psicobioenergofilosofia, tanta literopoesia, tanta cinedançadramaturgia, tanto conhecimento adquirido, ou não, tantas palavras lidas, ouvidas ou vividas, ou não, tantos churrascos, tantas festas e caipiroskas, se, no fundo, tudo se resume ao velho ritual de acasalamento do mundo animal. Acabemos com toda a arte do mundo, senhores! Acabemos com todos os textos do mundo, senhores. Acabemos com o dinheiro e com o corporativismo, senhores. Sugiro que seja matéria única nos colégios. Sugiro que seja o único filme nos cinemas. Sugiro que seja o único seriado nas televisões. O Reino Animal – Como me acasalar? Os ciclos de vida destes que nascem, matam para comer, se matam para encontrar um parceiro, acasalam-se, comem bananas juntos e morrem. Se, no fundo, a vida é isso só; se, no fundo, ser um animal consciente de si serve somente para sermos conscientes dos sofrimentos que a falta disso causa; se somos bichos conscientes e não entramos em contato com nossa própria consciência; se não podemos nos ter, mesmo sabendo que aqui estamos; se precisamos tanto do espelho que é o outro, voltemos aos chipanzés, senhores, e cocemos mais nossos sacos. Percamos menos tempo sonhando; percamos menos tempo trabalhando; percamos menos tempo tentando entender; percamos menos tempo criando; percamos menos tempo inovando; percamos menos tempo tendo de ser... Comamos bananas! Mas não a sós! Ao lado de outro qualquer. Qualquer não: da mesma espécie!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O Homem do Guarda-Chuva

Em meio a tantos andarilhos em calçada úmida e escorregadia, somente ele, somente um deles, empunhava um guarda-chuva.
E se protegia do gélido suor interpretado pelos pingos da chuva que desenhavam, nos rostos já não mais plenamente secos, um labirinto de lágrimas que condiziam, ou não, com os espíritos destes que, desprotegidos, só andavam.
As roupas, assim, perdiam seus estados sóbrios e mostravam-se desgrenhadas em suas naturezas reais. Os cabelos desmontavam-se para revelar os alvos terrenos dos couros cabeludos. As maquiagens borravam. A pele enrugava e, translúcida, dava visão ao interior dos corpos passantes.
Mas ele, aquele de que dizíamos, que a proteção em mãos portava, isolado da real sensação daquele cotidiano caminhar, mantinha-se íntegro em seus alicerces, seco, aquecido. Sentia-se, obviamente, mais confortável do que os molhados coitados, mas também solitário e hermeticamente isolado sob sua grande e rajada abóbada. Aos poucos suava, um suor glandular e não chuvoso. Os braços cansados da empunhadura a cambiavam vez ou outra. As costas, para evitar um sequer pingo, arqueavam-se e doíam. Os pés congelados entrelaçavam os dedos que em cãibras gritavam. Como era esgotante a necessidade de prazer e aconchego. Como era esgotante o medo da vida presente.
Assim, em um corajoso e diafragmático inspirar, elevou seu polegar ao mais extremistas dos extremos daquele cabo, e em um movimento forte e determinado, apertou o freio de sua integridade humana, deixando cair sobre seus punhos os restos enrugados da estufa que há pouco o protegia.
E percebendo em desespero tardio que aquela chuva já cessara, buscou com os olhos arregalados e temerosos um gota que fosse, de uma calha, de um respingo do asfalto, de uma boca ansiosa. Qualquer gota que o fizesse se sentir parte daquele particular universo, que em seu poder de limpeza, batizasse sua alma e a alvejasse.
E nada... Já estava tudo tão seco.
Foi quando, olhando ao redor, já mais meticuloso e certeiro, viu brotar em um olho infantil o que seria a semente de uma futura lágrima. E num ato de quase cegueira, de grosseria egóica e frágil, tentou com os dedos secos apanhá-la. A lágrima fetal, porém, assustada e inocentemente precavida, voltou rapidamente ao interior daquela criança, deixando o homem do guarda-chuva esfarelando naquela calçada úmida, formando uma lama que pela próxima chuva, e por ela somente, seria lavada.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Por hoje

Hoje, o que eu sinto, é o temor de nada sentir.
Que meu coração grite, com toda a sua coragem, e se deixe chorar.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Rumo a Meca

Há muito tempo eu não ia ao teatro e, ao final do espetáculo, sentia algo que não me deixava ir embora. Como é raro, e bom, sentir a verdadeira catarse. Ontem, senti. Tudo isso. E revivi minha escolha por fazer teatro.
Fui assistir ao “O Caminho Para Meca”, do dramaturgo sul-africano Athol Fugard, direção de Yara de Novaes, que tem no papel de Helen Martins a incrível e apaixonante Cleyde Yáconis.
O espetáculo é brilhante e iluminado, em todos os sentidos. O texto é rico, a encenação é do tamanho exato, nem maior, nem menor do que a história demanda. Mas o mais extraordinário é poder compartilhar com a grande atriz, sua alegria por estar ali, sob nossos olhos. E, principalmente, sua inteireza. Não poderia existir união mais perfeita entre texto e atriz, naquele momento. Cleyde Yáconis, certamente, vem construindo sua Meca ao longo destes anos e, para nosso deleite, ainda não terminou.
Aquela história me preencheu de amor e de forças para persistir em meu caminho. E focou novamente meu olhar que, por conta da contemporaneidade em que vivemos, perde muitas vezes seu objetivo primordial. Me centrou. Me enriqueceu. Me trouxe de volta a mim mesmo.
E tudo o que já escrevi sobre a verdade, tudo o que já li sobre a individuação e tudo o que já filosofei sobre a plenitude fizeram-se concretos em meu espírito na noite de ontem.
Entrei no teatro com fome, e saí apaixonado.
Ver de perto as lágrimas no rosto da grande atriz ao agradecer pelos aplausos de seu público, foi sublime. E o público era pequeno. O teatro, quase vazio, numa sexta-feira paulistana de muito frio e muito trânsito. E é somente desta forma que se reconhece a verdade em ser uma “grande diva do teatro”. Aquilo, foi teatro.
Sinto-me forte, apesar de ainda caminhar em terreno escorregadiço, e levar meus tombos vez ou outra. Sinto-me, ao menos, um pouco mais capaz de discernir sobre meu destino, sobre meu papel, sobre a minha Meca, que aos poucos construo. Sinto-me calmo. Ela se fará aos poucos. E cada caco será o todo em si. Sinto-me crente, em mim mesmo, nos personagens com os quais brinco vida afora. Sinto-me, hoje. E espero que ainda, amanhã.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Festival de Scarpans

Pretos, quase todos.
Saltos, do mesmo tamanho.
Alguns apontavam para cima, outros para baixo.
Chacoalhavam, todos.
Uns tocavam o chão, uns bicavam o ar.
Alguns trocavam de posição.
E muitos machucavam o calcanhar.
Olhavam para o lado
Comparavam-se.
Toc, toc, toc.
Vamos sair nas fotos?
Girinho para a esquerda
Girinho para a direita.
Vamos andar nas passarelas?
Chacoalhavam, chacoalhavam.
Deixa eu ver os seu?
Uma briga de galos.
Deixa eu ver o seu?
Bicudos!
Bicudos!
Uns brilhosos, outros foscos.
Uns novos, uns só parecendo.
Toc, toc, toc.
Quantos risos nervosos.
Se olhavam.
Não sabiam se eram eles próprios, ou se eram os que estavam ao lado.
Chacoalhavam, chacoalhavam.
Sabiam, de tudo, no fundo, sabiam.
Quando o couro sintético se enrugasse
Quando não houvesse mais graxa para maquiá-los.
Quando os calcanhares não mais os agüentassem.
Seriam despejados, na sarjeta
Perderiam os pares.
Seriam somente
Sapatos
Na sarjeta.
Sem saltos
Sem bicos
Sem caras
Sem bocas

Sem identidade.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Real

Sou a cada dia mais adepto da verdade. Não falo da verdade dos fatos, da verdade de discurso, nem sequer de pensamentos. Falo da verdade da alma.
Quando a alma está em contato com a verdade, e se permite sentir e buscar o que para si é o real, aqueles que presenciam este momento se embebedam de emoções e se contagiam por esta alma terceira, verdadeira.
E esta alma, por sua vez, não precisa mostrar nada a ninguém. Ela é, neste momento, o todo. Não precisa dizer nada, e nem fazer apologias ao que sente, ao bem que buscou e encontrou, ou tentar doutrinar o outro, dizendo querer o seu bem, dizendo querer que se sinta como ela se sente. A alma fiel a si é, per se, transmissível. E desta forma, pode ser triste, pode ser brega, pode ser fria, pode ser ridícula, pode ser o que quiser. Aqueles, que a estarão observando, se sentirão vivos.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Lata Velha

Eu recolhia latas. Dessas de refrigerante. Elas pagavam minha dose de aguardente. Eu enfartei andando na calçada, na zona nobre da cidade. Agachei. Levei a mão direita ao lado esquerdo do peito, e a mão esquerda ficou segurando as quatro latinhas que eu tinha conseguido naquela manhã. Uma de Fanta Laranja, uma de Sprite e duas de Coca-Cola, ambas não lights. A Fanta era light, eu acho. Eu permaneci agachado, olhando para frente, me lembrando de respirar entre cada pensamento de medo que me ocorria. As pessoas passavam por mim. Me lembro disso. Me lembro de haver muitas pessoas. E carros. Havia carros. E barulho. Muito barulho. Lembro que quando caí, fiz o impossível para não amassar as latas. São essas, ó, que trago aqui comigo. Será que aquele senhor de branco... Aquele ali, com a barba grande. Será que ele troca? Por quanto?

terça-feira, 15 de abril de 2008

Promessa

Estive me lendo, hoje. E me percebi extremamente chato e melancólico. Está certo que dentro dos limites da minha bipolaridade, tenho direito a uns dias de fossa. Mas notei que minha escrita tem girado, somente, em torno dessas fossas.

Está tão fora de moda estar na fossa!

Me desculpe, caro leitor, por este fardo que venho lhes fazendo carregar.

Prometo ser mais levinho a partir de amanhã.
Se o amanhã vier...

Que título?

Imagino quão profundo pode ser o vazio; quão carcereira pode ser a timidez; quão destruidora pode ser a raiva; quão forte pode ser a fraqueza.

Já passei do medo à vergonha, da vergonha ao ódio, do ódio à tristeza, da tristeza à compreensão, da compreensão à chateação, da chateação à pena, e também eu não sei mais para onde posso caminhar. Até culpa já senti. Hoje só posso rezar. E torcer. E me perguntar mil por quês, sempre sem respostas.

Difícil é ter de esperar. E saber que quando chegar, chegará a algum extremo. Ou virá o melhor, ou chegará o pior. Difícil é não saber o quê. Difícil é não poder prever. Difícil é a angústia das mãos aprisionadas e da terrível impotência.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Defeituoso

Pior do que a raiva do outro, e a raiva de si mesmo.
Pior do que o vexame, é a vergonha de andar na rua.
Pior do que ter feito, é o defeito.
Pior do que não ter feito, é ter feito pior.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Choro por choro

Há dias em que sinto uma inexplicável vontade de sair chorando pelas ruas. Não em um escândalo, muito menos triste... Simplesmente andar chorando, da mesma forma como respiramos ao andar. Chorar sem parar. Falar com os outros, chorando. Pedir um sanduíche, chorando. Encher o tanque, chorando. Chorar enquanto como, enquanto durmo, enquanto canto. Chorar mesmo que rindo. Chorar ao fazer exercícios, chorar ao escrever meus e-mails, ao falar no telefone, ao fechar um contrato, ao responder um boa tarde. Nada, nada... Só sair por aí, chorando. Por chorar. Nada, nada...
Como somos carentes, nós, homens modernos. Como somos carentes, nós, homens urbanos. Sou carente do meu choro, que há muito não me lava.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Aristotecnia

E foi quando o galo gigante saiu pela porta giratória e desfilou, solenemente, em meio aos carros luxuosos da alameda. É por isso que eu digo, meu filho. Pense na macarronada espessa. Os russos, sim, urinam com maior prazer.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Limpeza

Pode limpá?
Incrível!
Pode limpá, moço?
Como cresceram... Seus filhos, como cresceram!
Moço, só um trocado. Posso limpá?
Outro dia mesmo, eram tão crianças... Já estão mocinhos...
Ó, tô limpano...
E a menina, então... Uma princesa. Que saudade de vocês.
Inda tá fechado, moço. Pode limpá tráis?
A gente precisa marcar alguma coisa lá em casa. Que feliz em ver vocês. Que família linda. Tão unidos.
Pronto, moço. Tem um trocadinho?
O sinal já vai abrir. Se não, eu desceria do carro. Que vontade de dar um abraço em todos. Sabe que os considero parte da minha família, não sabe?
Moço, tem um trocado?
Um jantar! Vamos marcar um jantar. Quero saber das novidades... Como está a vida de cada um...
Caralho. Só um trocado, porra!
Manda um beijo pra todo mundo. Diz que eu passei aqui.
Deiz centavo!
Prazer em revê-los!
Cinco!
Até mais... Preciso ir! Olha... Que surpresa boa! Até!
Um centavo, moço! Um centa...

terça-feira, 18 de março de 2008

A Menina Angolana

Eu olhei para aquilo tudo e jamais me senti tão entusiasmada. Aquela caixa de madeira toda trabalhada, iluminada por velas ao redor, me transportava aos bosques dos contos de fadas, onde as flores cintilavam com o reflexo da lua no orvalho que nelas pendia. Imaginei aquelas pessoas todas, em suas vestes densas e olhares vazios, dançando em um grande salão de baile, em festa de reis e rainhas. O choro era de alegria, ou no máximo por um príncipe encantado que, desta vez, e apenas desta vez, não apareceu, deixando a donzela a observar a imensidão do mar, do alto de sua torre, à espera de seu grande amor. E foi assim, meu primeiro encontro com a morte.
Fui me aproximando da caixa reluzente, num passo sóbrio e cerimonioso, e pensei se seria desta forma que desfilaria pela nave principal da catedral, no dia do meu casamento. E pensando, hoje, talvez tenha sido tétrica a enorme vontade de rodopiar e gargalhar em gritos histéricos que pulsava dentro de mim, num ritmo sincopado aos meus passos. Me lembro de poucas coisas deste dia, mas jamais me esquecerei do rosto negro que dormia com calma dentro daquela caixa. E a única coisa que me espantou, foi vê-lo dormir, porque era ele quem, de costume, cuidava do meu sono.
Trabalhava em nossa casa, e me contava histórias de heróis para que eu adormecesse. E para que eu acordasse, apenas sorria, e deixava a luz do sol refletir em seus dentes brancos para que, assim, eu sentisse cócegas nas pálpebras e as deixasse abrir sozinhas. O toque de suas mãos no meu rosto costumava ser gélido, e seus olhos, fundos, de modo que, por mais que sorrisse, nunca me convencia de estar realmente alegre.
Mas naquele dia, em que em paz dormia, sua pele estava quente e macia, e seu sorriso, de lábios fechados, jamais tinha sido tão sincero. Eu sabia que Meu Preto estava feliz, e me sentia feliz com isso. O fado que eu ouvia ao fundo, misturado à música da missa que eu ouvia bem ao lado, foram dando lugar a um batuque profano, lá dentro dos meus ouvidos, e eu não pude deixar de reproduzí-lo naquela caixa, batendo forte com as mãos na madeira, e cantando tão alto, que abafei com meu fervor todos os sons de tristeza que pairavam naquela sala. Naquele dia, eu entoei o som verdadeiro do Meu Preto, que depois daquilo, não seria mais meu. E nem por isso eu entristecia, pois sabia que o mundo também merecia a alegria de tê-lo ao lado, a mesma que eu sentia, e a leveza dos sonhos que eu sonhava, quando ele me dormia. Depois disso, lembro que fui carregada para meu quarto, mas só depois de perceber, no rosto daquela negra, que era sua mulher, um enorme traço de paz, alegria e esperança.
E foi assim, meu primeiro encontro com a morte. Foi neste dia, que morri menina, e nasci mulher.

O Grande Assunto

A falta de assunto anda me atormentando nos últimos tempos. Estou realmente preocupado com meu embotamento de discurso.
É como se todos os assuntos me fossem enfadonhos. Como se não houvesse nada de novo nos mundos dos outros, e menos ainda no meu; ou como se meu mundo estivesse cada vez mais distante do mundo dos outros.
Que medo da psicose!
A mídia está um porre; o futebol nunca esteve no meu vocabulário; até falar mal dos alheios ficou sem graça. Discussões teóricas e filosóficas estão difíceis. Existe, no ar, uma certa preguiça de pensar. Ou talvez pensar seja mais fácil. Pensando bem, ando pensando mais do que falando. É isso. E estou sem muita paciência de compartilhar verbalmente estes meus pensamentos.
A energia e obrigatoriedade criativa estão sugando muitos destes pensamentos. E o pavor do inconsciente coletivo, das idéias roubadas e das cartas marcadas estão me transformando num avarento de assuntos. Lógico. Todo assunto, toda idéia, pode virar um texto, ou pode ser tema do meu próximo livro, ou da minha próxima peça, ou pode virar uma cena de algum espetáculo que estou dirigindo...
Trabalhar com idéias me transforma, a cada dia, em um monge frígido e egoísta. Ao mesmo tempo que este turbilhão de pensamentos me prende em uma ansiedade sem limites. Por onde começar? O que fazer primeiro? Melhor dar um tempo e ler um pouco. E a cada leitura mais um vendaval de sugestões e pensamentos, muitas vezes abstratos e sem sentindo, que podem transfigurar em uma latente obra de arte. Melhor guardar para mim!
A busca pelo destaque neste mundo de tantos de nós afasta a humanidade de si mesmo.
Ou será que minha vida, particular, está tão parada assim? Também pode ser isso. Nenhum grande evento, nenhum grande acontecimento, nenhuma grande novidade. Meu medo de envelhecer sempre girou em torno da carência de novidades. Às vezes dá vontade de ficar preso em uma bolha por algum tempo, para sair e ver o mundo com olhos infantis. Mas eu já faço isso. Na verdade, eu vejo muitas novidades por aí. As pessoas que não estão muito interessadas no meu olhar.
Onde isso vai dar? Que desespero. Até falar sobre a falta de assunto, que poderia ser um assunto interessante, está chato!
Que texto chato!!
Definitivamente, há textos que não devem, jamais, ser escritos pela manhã!

segunda-feira, 17 de março de 2008

Epitáfio

Aqui jaz um texto.
Fraco, porém sensível, filho desprezado, esposo traído, amante mal amado, pai equivocado. Começado e não terminado.

Escrito em 17 de março de 2008.
Apagado em 17 de março de 2008.

sábado, 15 de março de 2008

Soando

Andei me ligando para saber como se sente quem comigo quer falar. E a única conclusão a que pude chegar é de que o telefone toca, toca, sem parar.

Andei prestando atenção na gota, guerreira e insistente, que teima em tentar escorrer pelo pára-brisa num dia cinzento, e que se mantém sendo lançada de volta a si mesma, pelo limpador, sistemático e controlador.

Andei me lembrando deveras dos tempos de infância, com uma saudade inesgotável, e regredindo em vontades de farofa doce com sorvete, groselha e danoninho.

Andei com a preguiça de saber mais, e com a culpa de saber menos, e preferindo observar a pintura natural das nuvens no céu, a tentar encontrar motivos numa grande obra de pincel.

Andei com medo de não saber escrever, com medo de tudo o que preciso ler, com medo do medo de um dia morrer com um grande segredo, e de assim entreter.

Andei perseguindo e me sentindo perseguido e copiando e me sentindo copiado.

Andei pela neve de querer ver somente quem me releve, e assim me ajude nesta árdua missão de ser mais leve.

Andei sem paciência de responder o que ando fazendo, e andei sem alguém que quisesse saber o que ando sendo.

Andei... Hoje, ando. Ando viajando, vagando, festejando, bundando, fumando, fungando, soando, soando. Hoje, só ando, suando.

terça-feira, 11 de março de 2008

Me chove

Se chove, quero sol.
Se faz sol, quero chuva.
Mormaço, no me gusta!

Se há carne, quero peixe.
Se há peixe, quero carne.
Frango, no me gusta!

Se estou só, quero companhia.
Se tenho companhia, quero estar só.
Ser mais um, no me gusta!

Se trabalho, quero sossego.
Se sossego, quero trabalho.
Dentista, no me gusta!

Se há plantas, não quero regá-las.
Se não há o que regar, quero plantas.
Mato, no me gusta!

Oh, maldita condição de ser humano!

sábado, 8 de março de 2008

Em Si bemol

Um pensamento do autor, à mulher.


Vem cá, deita a cabeça neste colo, que carrega a angústia do mundo.
Passe as mãos neste ventre, que um dia carregou a vida.
Veja a cor das minhas unhas, que carregam os destroços do imundo.
Preste atenção nestes cabelos, que carregam a pele perdida.

Vem, repare nesta roupa quase nova, que veste um desejo afrodisíaco.
Escuta os batimentos deste peito, que nutre com amor um ser vazio.
Entende esta cabeça que compete, que oscila entre o que é triste e o que é maníaco.
Enxerga com estes olhos não pintados, que pintam de lirismo o que ruiu.

Tenta, tinge estes seus lábios de vermelho.
Ampute estes teus pêlos por inteiro.
Esqueça um pouco o preço do dinheiro.

Lute, morre preocupado com o espelho
Afine em agudos tudo o que é grosseiro.
E veste o feminino derradeiro.

terça-feira, 4 de março de 2008

A transa

Eles se amavam. Nada mais e apenas isso. Se amavam nos mais perfeitos moldes românticos. Deixavam Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Julia Roberts e Richard Gere, no chinelo.
Nada faziam o dia inteiro, senão pensar um no outro. Imaginavam seus futuros juntos. Imaginavam seus corpos na cama. Imaginavam carícias, beijos e olhares.
Ele, que era mecânico de automóveis, via os seios delas nos pneus carecas; via o brilho dos olhos dela nas lanternas; via a umidade dela na troca do óleo.
Ela, que era astrônoma, via a força dele em Júpiter; a doçura dele em Vênus; via o calor do seu corpo, em Marte.
Com o passar dos dias, o amor se tornou vício. Isolaram-se no mundo. Não sabiam mais o que se passava na política, no futebol, ou na televisão. Não falavam de outra coisa, senão deles mesmos, e para eles mesmos. Perderam os pais, os irmãos, os amigos, e tornaram-se órfãos, apaixonados.
Ele largou o emprego; ela, também. Ela perdeu o apetite; ele, também. Tornaram-se insones, para não perderem-se um do outro durante os sonhos. Não saíam da cama. Deixaram de se tocar, com medo do desgaste. Apenas se olhavam, o dia inteiro.
Faziam suas necessidades em um balde, para não se separarem. E para isso, não viravam as costas - continuavam a se olhar. Os olhos, secos por não mais piscarem, ardiam. As bocas, secas por não mais beijarem, colavam. As mãos, molhadas por nada tocarem, pingavam.
O mundo era ameaçador demais para aquele amor. Bateram na porta, chamaram polícia, chamaram bombeiros, chamaram doutores. Mas nada penetrava naquele universo egoísta e autônomo.
Numa noite, a noite mais incrível delas, sob a lua eclipsada, saíram. Entraram no carro. Dirigiram, com os corpos grudados, por quatro horas até um campo afastado. Em nada mais pensavam, senão no medo de, um dia, se separarem.
Estacionaram o carro sob uma árvore, triste, pois solitária, que observou quando eles deram as mãos, abraçaram-se e, pela primeira vez nos últimos meses, e desta vez, última, fecharam os olhos.
Foram encontrados desta forma – mortos, os dois, como um. Junto deles, duas pistolas. Dentro deles, um único coração – baleado, mas que mesmo depois de enterrado, jamais deixou de bater.

domingo, 2 de março de 2008

O Problema

O problema é o equilíbrio. E vem a marcha. E está tudo bem.
O problema é o pequeno carrinho. E vem a festa. E está tudo bem.
O problema é a nota da prova. E vem o azul. E está tudo bem.
O problema é a bola na rede. E vem a água. E está tudo bem.
O problema é o beijo na boca. E vem a língua. E está tudo bem.
O problema é os pêlos crescidos. E vem a barba. E está tudo bem.
O problema é a ressaca do álcool. E vem a cura. E está tudo bem.
O problema é o nunca do sexo. E vem o próprio. E está tudo bem.
O problema é o fazer do amanhã. E vem a glória. E está tudo bem.
O problema é o adeus aos amigos. E vêm os outros. E está tudo bem.
O problema é as forças armadas. E vem a hérnia. E está tudo bem.
O problema é a locomoção. E vem o carro. E está tudo bem.
O problema é o exame final. E vem o canudo. E está tudo bem.
O problema é a falta de exames. E vem o dinheiro. E está tudo bem.
O problema é o bando de impostos. E vem o banco. E está tudo bem.
O problema é o dente do siso. E vem o dentista. E está tudo bem.
O problema é a viagem dos sonhos. E vem a outra. E está tudo bem.
O problema é a falta de teto. E vem as paredes. E está tudo bem.
O problema é as paredes vazias. E vêm os móveis. E está tudo bem.
O problema é a filantropia. E vem o pão velho. E está tudo bem.
O problema primeiro é o como. O segundo é o quem. E está tudo bem.
O problema terceiro é o onde. O quarto é o quando. E está tudo bem.
O problema é o anel num dos dedos. E vêm as crianças. E está tudo bem.
O problema é a falta de leite. E vem a chupeta. E está tudo bem.
O problema é o grande carrinho. E vem o pequeno. E está tudo bem.
O problema é a falta de sexo. E vêem os filmes. E está tudo bem.
O problema é o desejo proibido. E vem o segredo. E está tudo bem.
O problema é as dores no peito. E vem a aspirina. E está tudo bem.
O problema é o devia ter feito. E vem o futuro. E está tudo bem.
O problema é o anonimato. E vem o sorriso. E está tudo bem.
O problema é a falta de rumo. E vêm os limites. E está tudo bem.
O problema é a mente vazia. E vem o passado. E está tudo bem.
O problema é ser insatisfeito. E vem a preguiça. E está tudo bem.
O problema é a memória que é fraca. E vêem as fotos. E está tudo bem.
O problema é o corpo cansado. E vem o ginseng. E está tudo bem.
O problema são poucos problemas. E vem o suspiro. E está tudo bem.
O problema é estar tudo bem. E vem um problema. E estará tudo bem.

O problema primeiro será. Depois logo é. E então já não há.
E quando o problema não há. Não há como ser. E, então, partirá.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Um, apenas, Um

Gostaria de ter apenas Um cinzeiro
Uma única chave que tudo abrisse ou fechasse
Uma única calça
Uma camisa
Uma cueca
Uma lata de lixo, apenas
Apenas Um fio
Um cabo
Uma tomada
Uma mesa, Uma cadeira
Somente Um livro
Um único canal de televisão
Um filme, Um disco, com Uma música apenas
Uma caneta, de Uma cor
Um pano, Um balde
Uma janela, com Um vidro
Uma toalha, Um lençol
Uma panela, Uma colher, Um garfo e Uma faca
Um prato
Um vaso, com Uma planta
Um regador
Uma revista, com Uma manchete

Preciso ir ao shopping.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Andréa

Penso
Será que ela é moça
Será que é balzaca
Será que é gordinho
Será que é esbelto
O corpo da tal
Se ela é míope ou nem sabe ler
Se economiza ou dá no Natal
Se morde a língua se vai escrever
E se eu quisesse ouvir a sua voz

Penso
Será que ela é rica
Será que é casada
Será que é doutora
Será que é tingida
A parte da tal
Se ela reza antes de dormir
Se fala manso ou é muito formal
Se fecha os olhos ou chora pra rir
E se eu quisesse ouvir a sua voz

Não, não tem nenhuma Andréa por aqui
O telefone toca sem cessar
Essa linha é minha e c´est fini
Ah, diz pro mundo todo parar de ligar
Diz se essa pessoa existe por aí

Penso
Será cozinheira
Será feiticeira
Será que é fogosa
Será que é novela
A vida da tal
Se ela um dia ligar para mim
Se nosso encontro for calmo ou brutal
E se seu tom for linha de cetim
E se eu quisesse ouvir a sua voz

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A mudança

E numa linda manhã de sexta-feira:

O novo se torna próprio
O velho se torna virgem
O pó se torna enfeite
A água tornada é vinho

Os calos serão sapatos
Os cortes, meras lembranças
O tempo será zerado
A espera em si batizada

A chave se encaixa e vira
O suor drenado limpa
Vassouras que geram o vento
Que venta no vácuo e volta

A luz, quando acesa, brinda
Os canos ressoam um fato
A rima não existe ainda
No início de um novo ato.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Prisioneira

Organizava tudo em ordens: numéricas, alfabéticas, arquetípicas, lógicas, genéricas, cronológicas e prismáticas.
Organizava tudo em potes. E em estantes. E em arquivos.
E sua incapacidade de lidar com a perda a tornava uma grande, e gorda, carcereira. Colocava atrás das grades, a beleza do mundo.
Obviamente não toda a beleza do mundo, mas apenas a beleza do seu mundo. O que para ela era belo, era para ela, dela.
O problema era o espaço. Era cada vez mais difícil, apesar de todo byte, kbyte, megabyte e gigabyte, armazenar toda aquela beleza. E por ser eclética por natureza e curiosa por formação, desterrava a beleza, cada vez mais, em tudo, ou quase.
E desta forma, apurava seus sentidos, que percebiam nitidamente um belo acorde em uma terrível canção, uma bela cena em um monótono filme, um belo ângulo em uma escura fotografia. E já era quase impossível evitar seu desejo de tudo possuir. Em seus potes. Em suas estantes.
Depois de engaiolar suas belezas, e de rotulá-las com etiquetas, e de organizá-las em suas ordens, as deixava lá, onde acreditava que deveriam estar. Perto de si. Ocultas, sempre. Apertadas. E de difícil acesso.
Curioso era o fato de nunca mais olhar, ou tocar, ou ouvir, sua bela coleção. Porque sabia que estavam lá, e de lá jamais sairiam. Desta forma, perdiam a cor. Suas belezas eram belas para todos, e ordinárias para ela. Sua rotina estava em descobrir mais e mais daquelas raras belezas, mas não delas desfrutar. A não ser uma só vez. A não ser a primeira.
E no passar dos anos, era cada vez mais difícil encontrar belezas que já não possuísse. O grotesco passou a ser belo, de forma a tapar sua lacuna de incompetência em encontrar a verdadeira beleza.
E ao chegar em casa, uma casa que possuía toda e qualquer beleza do mundo, deitava-se solitária, e feia.
Um belo dia, cinza e chuvoso, dia em que já não mais conseguia pentear seus cabelos ou escovar os seus dentes, ou costurar seus botões ou afiar seu lápis de olho, um belo dia, em um ataque de liberdade e de náusea, decide libertar toda a sua coleção.
Abre os potes, um a um, e olha seus interiores. Assiste aos filmes, um a um, e chora novamente, e ri. Ouve as músicas uma a uma, e dança. Borrifa seus perfumes, um a um, e sente, e lembra. Cozinha suas receitas uma a uma, e degusta, e gosta. Folheia suas fotos, uma a uma, e revive. Rele seus livros, um a um, e goza.
Depois, com uma dificuldade dolorosa, como a de uma mãe que lança seus filhos ao mundo, devolve a todos nós, mundanos, suas belezas. E num ato de bravura e dignidade, as oferece.
Ao voltar para casa, agora vazia, deita-se na cama, repleta de si mesma. E dorme um sono leve. E, depois de muito tempo, acorda com uma sensação estranha e confusa, e percebe, finalmente, que naquela noite, voltara a sonhar.
Levanta-se e sente o primeiro toque dos pés no chão, e vibra como uma tela em branco ao receber a primeira pincelada do que será uma futura obra de arte.
E descalça, e nua, sai outra primeira vez ao encontro do belo, mas apenas para sê-lo, nunca mais para tê-lo.

A Insônia

Três e meia da manhã.
As pernas aflitas na cama são praticamente autônomas em sua vontade de alongar-se.
Os olhos fechados passeiam pelas pálpebras em busca da profundidade do sono, mas falham.
Os pensamentos na obrigação de não pensar em nada escapam e divagam. A face de um cão, o cenário de um show, as cenas do filme a pouco assistido, o nariz de uma amiga. A vontade de torcer aquele nariz.
Os olhos se abrem. Escuro. Se fecham. Escuro.
Os travesseiros e lençóis dançam sob e sobre o corpo estirado. Que vira. E revira. Que se encolhe. E se estica. Pensamentos sobre o órgão labiríntico e nossa capacidade de orientação no espaço. De olhos fechados e me mexendo como em uma montanha-russa, sou capaz de identificar o lado direito e o esquerdo. Incrível...
O sono quase me submerge, mas o barulho da rua o espanta.
Três e meia da manhã.
Penso em explodir o prédio ao lado. Penso em calar com as mãos, as prostitutas. Penso em derrubar os helicópteros.
Três e meia da manhã.
Penso em apedrejar os carros. Penso em capotar as motos. Penso em arremessar ovos nos passantes. Penso em assassinar, devagar e a sangue-frio, todo e qualquer emissor de som do planeta.
Três e meia da manhã.
Quatro.
E meia.
Cinco.
Levanto. Abro a janela e me debruço, numa tentativa de me fundir ao barulho da rua. Acendo um cigarro. Apago.
Cinco e meia.
Desespero. As mãos tremem. As nádegas formigam. Os braços doem. A cabeça coça.
Sono. Sono. Busco o sono.
Os sons aos poucos se esvaem. Silêncio. Somente o barulho de um ou outro passo. Já se levantam, os outros. Como dormem?
Pela estreita fresta da janela, surgem os primeiros raios luminosos. O negro se torna cinza, que adota tons pastéis. O dia vai colorindo os móveis, devagar, como uma criança que pinta.
Nitidez. Enfim.
E banhado pela primeira brisa matinal, deixo-me carregar ao profundo relaxamento do que é onírico, e lírico. Por fim, durmo.

O Despertar - Parte III

Meus deuses, me puxem os braços!
Amanhã mesmo eu ponho um sapato, que seja macio.
Meus deuses, me cortem os laços!
Amanhã mesmo eu ligo o motor, que seja veloz.
Meus deuses, enfoquem os traços !
Amanhã mesmo eu ajeito esta face, que seja viril.
Meus deuses, me estendam as mãos!
Amanhã só lhes peço uma bênção, que seja minha voz!

O Despertar - Parte II

Meus deuses! Estou entalado!
Ontem mesmo passei nesta porta, que hoje estreitou.
Meus deuses! Está apertado!
Ontem mesmo vesti esta roupa, que hoje é vinil.
Meus deuses! Está embaçado!
Ontem mesmo bati esta foto, que hoje borrou.
Meus deuses! Estou entendendo!
Ontem mesmo notei esta testa, que hoje franziu.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O Despertar - Parte I

Meus deuses! A voz está grave, o pés estão longe, as unhas compridas.

Meus deuses! O dia está curto, a noite está clara, a alma bandida.

Meus deuses! Os membros são cinco, os olhos são três, as línguas safadas.

Meus deuses! Os outros são vários, os ovários são muitos, quando muitos são nada.

Meus deuses! Os fios são nevados, os ombros são duros, os joelhos existem.

Meus deuses! A cidade é pequena, os brinquedos são caros, os amigos persistem.

Meus deuses! As cores são tantas, os cigarros são poucos, os corantes não falham.

Meus deuses! As músicas gritam, as vontades não duram, os bíceps malham.

Nego o Resgate

Ando passando muito tempo comigo mesmo.
Sabe quando convivemos intensamente com uma pessoa, e nos pegamos adquirindo seus trejeitos e jeitos? E passam a gritar mais os defeitos? E começam a se misturar as vibrações, e os acasos são cada vez mais freqüentes? E trocam nossos nomes nas portarias, e vestimos roupas sertanejamente parecidas, quando no máximo invertemos cores de calça e camisa? E assimilamos gírias e pensamentos, e sintonizamos batimentos cardíacos e sinapses, e as vozes começam a ressoar em uníssono? E esgotam-se os assuntos, e potencializam-se as desavenças, e em meio a tamanha sintonia, vêm à tona somente as disfonias, as disritmias, as distimias e as antipatias?
Ora pois, ando passando muito tempo comigo mesmo. E neste caso, não há vítima ou agressor. Sou doador e receptor. Me troco comigo mesmo. Discuto comigo mesmo. Me debato, me divido, me devoro e me regurgito. Preciso de um tempo só, longe de mim. Preciso encontrar os outros, ouvir dos assuntos banais, estar onde, mesmo sem nada falar, não haja silêncio o bastante para pensar. Definitivamente, estou pagando para que me seqüestrem de mim. E aviso: nego o resgate!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Passado

É estranho demais pronunciar tudo no passado; a gente andava, eu sentia, ela sorria, ela era... A gente era.
Não é como amputar um membro. É como amputar o que já era invisível e agora ficou ainda mais etéreo. Se perdeu, no ar, no bar, em algum lugar. Onde está aquele amor? Um amor que de um dia para o outro perdeu a identidade, o motivo, a razão.
De repente, ela sumiu. Ela que estava inteira comigo, ao meu lado, comendo pizza e assistindo a um filme, falando besteira, escrevendo poesia. Ela foi arrancada de mim, ela desapareceu em um instante, em uma noite, em uma vogal.
Eu ainda sinto seu cheiro, ainda ouço sua voz, ainda provo seu riso. Não consigo me livrar da sua presença que é um vazio enorme, um abismo sem limite. Tenho medo de cair.
Estou me segurando em uma folha, em um fino ramo.
Ontem mesmo a gente se falou. Passado. Ela me disse – passado – que me amava; passado. Ela perguntou se eu queria um presente de beira de estrada; disse que ia comprar mais mel, porque o nosso estava acabando. Ela tomou um café, fumou um cigarro, entrou num ônibus e sumiu para sempre. Perguntou, disse, tomou, fumou, entrou. Passado. Perguntava, dizia, tomava, fumava, entrava. Passado. Me amava. Passado.

“Que tal levar um tapa?”, me pergunta a vida.
Ela me deixava feliz só de olhar para mim. Eu gostava dos olhos dela. Deixava... Gostava... Passou?
Ainda não posso deixar que passe.
Mas passa. Não passa? O passado?

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Verídico e Tolo

Sento-me ao som dos Gerschwins.
Elizângela toma meu pedido. Concentro-me nas notas do piano. Peço uísque.
De repente, não mais que de repente, ouço uma voz rouca e pastosa.
Nossa, como você é lindo! Que gato!
Olho à minha volta e penso: Será comigo?
De vez em quando tenho estes ímpetos de modéstia plena.
Lá está ela, artificialmente loira, exageradamente maquiada e alzheimermente envelhecida, sentada à mesa a frente, na companhia de outras figuras igualmente esdrúxulas.
Você é sempre gostoso assim ou é só hoje?
Essa mulher poderia ser minha avó!
Como?
Você sabe que é um gato, não sabe? Ah, sabe, ele sabe.
Isto não está acontecendo. Não com a biza da Rita Cadilac.
Viu, sabe de uma coisa? Eu estou bêbada!!
Ah vá!
Você não é daqui, é?
Não
ponto
Sou de São Paulo
ponto
Vem cá, vem.
Pânico.
Senta aqui com a gente. Você vai adorar.
Não quero mais olhar para minha avó depois disso.
Não, obrigado. Eu vou comer.
Uau!!
Jantar!! Eu vou jantar.
Pra quê? Só serve pra engordar.
Há! Falou a Bündchen.
Não, é bom de vez em quando.
Resposta cretina para comentário cretino.

Silêncio.

Silêncio.

Silenc...

Você tem fogo?
Danada, acabou de acender um cigarro. Eu vi!
Tó!
Aaaaai, obrigadinha.
Voz pastosa.
Nojo.
Você conhece o Postinho?
Meu
Deus
Não.
Você não é daqui, é?
Raiva.
São Paulo.
Você não conhece o Postinho?
Meu
Deus.
O que seria este Postinho? Um asilo de idosas da vida? Mulheres com mamilos nos joelhos e mãos deformadas por artrite, batom borrado, brincando com a prótese dentária para cima e para baixo, para cima e para baixo, e babando, babando...
A comida chega. Só consigo dar duas garfadas.
Vamos pro Postinho! Vou te mostrar Vitória inteirinha!!
Como?
Digo, hein? Agora?
Pavor.
Right now.
Sim, ela falou inglês!
Agora não posso.
Como quem diz: quem sabe outro dia… Há!
Vou ao banheiro. Você sabe, né!
NÃO!!! Não sei!! Não quero saber!! Meu Salmão já virou Buchada, Gerschwin já virou Harmonia do Samba!
Aproveito a deixa, pago a conta e fujo. Fujo! Run, Forrest! Run!!

E pronto. A história acaba assim mesmo. Final sem graça pra caramba. Episódio bobo, na verdade. Não sei nem se merecia ter virado texto. Se leu até agora, perdeu tempo. E continua lendo. E assim, vai... Que falta do que fazer, hein..




E ainda está lendo... Quanta bobagem...E você, caro leitor? Conhece o Postinho? E a vida, está atarefada? Sei... Até onde vai isso, me pergunto. Digo, essa leitura banal. Garanto que não vai levar a nada. Garanto mesmo! Pode acreditar. Se quiser continuar lendo, fique à vontade. Continuo escrevendo.


Continuo...


Continuo...


Continuo...


Pelo menos até cans...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Pergunto

É estranha a sensação. Como se as palavras fossem absorvendo os sentimentos. Uma espécie de catarse anulativa. Não sei se gosto da idéia de me transformar em máquina.
A questão é, então, como ser realmente útil à humanidade, sem ser máquina?
Estes humanos que esperam sempre a prontidão absoluta, um sabor já conhecido, uma plasticidade harmônica e vendável. Estes humanos que pouco criam, que muito procriam, que seguem rotinas, que ensaiam o sexo, que traçam mapas e compram bússolas. Eles, que são açoitados pela estética e gostam, que são atropelados pelo tempo e riem, que moram no futuro e morrem no presente, que cumprem as leis em falsidade.
Como manter-me humano nesta caldeira?

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Sê de Concreto


Sob a sorte
Sob o sal
Sobre o sexo
Sobre o santo

Em sussurro
Em suspiro
Em segredo
Em si mesmo

Semente
Argamassa
Indecente
Insistente
É
Sente
Sinta
Suma
Salta

Sílaba
Sassarica
Sossega
Cessa

Saci, Ceci, Ciça, Sissi, Insossa...

Soluço
Sucesso
Abscesso
Absinto

Saia
Seio
Seco
Sujo
Em suma
Ssssssssssssssssssssssss.......

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Ignorância inteligente (talvez um pouco de auto-ajuda)

É incrível como as mais despretensiosas das noites são capazes de nos presentear com os mais pertinentes dos temas. Isso nem sempre acaba bem. Às vezes alguém sai chorando, outras vezes inconformado. Às vezes amizades se rompem e só retomam os laços na dor do luto, cinqüenta, sessenta anos mais tarde.
Outra noite, chuvosa, conversávamos em um bar sobre a vida. Um de Nós reclamava de que seria eternamente infeliz, uma vez que nunca se julgava satisfeito com o que tinha. Dizia não ter absolutamente nada do que gostaria - um carro próprio, uma casa própria, um emprego de boa remuneração e que fosse algo muito prazeroso de ser feito e um relacionamento afetivo – e que o pior de tudo era saber que, quando os tivesse, todo esse nada que tinha, seria ainda infeliz, pois procuraria outros desejos não atingidos.
Curiosamente, é este o tema do último espetáculo que estreei. O desejo, que nos move, que nos desespera. O eterno vazio que abastece a humanidade.
O fato é que este assunto nos trouxe aquele, sobre o qual eu gostaria de escrever. A questão levantada por este Um de Nós, era aquela velha sobre a inteligência estar associada ao sofrimento. De que o homem, quanto mais ignorante, menos sofre. (Vide: Como me tornei estúpido, de Martin Page). E eu defendi esta teoria, a noite toda.
Mas havia Outro de Nós naquela mesma mesa, extremamente contrariado com a questão, absurdado e emocionalmente abalado (após algumas doses alcoólicas) com este fato. Como poderia o mais inteligente ser menos feliz? E nós, os defensores, tentávamos em vão convencê-lo de que o mais ignorante não tem tempo ou leitura para levantar questões existenciais. De que as preocupações são mais basais e ligadas à sobrevivência. (A tempo – não relaciono a ignorância com a falta de poder aquisitivo. O ignorante pobre se preocupa com o pão, e o ignorante rico se preocupa com o próximo carro a ser adquirido). De que quanto maior a capacidade de crítica e de análise do ser humano, maior é a amplitude com que vê as coisas do mundo, o que acaba sempre por revelar o lado escuro da lua, o interior da linda caixa vazia, que conseqüentemente traz o sofrimento, a discórdia e a revolta.
Assim mesmo, o Outro de Nós estava impassível. Por isso, cá estou hoje. Só hoje, posso entendê-lo. E explico.
A inteligência, aos olhos dele, não reside neste sábio guardião do eterno questionamento. Para ele, a inteligência está naquele que é capaz de tocar a felicidade a cada efêmero preenchimento do vazio do desejo. Ignorante é o que tanto busca o entendimento e as razões, ao invés de optar pelos simples “porquesins” e “porquenãos” em prol de segundos, horas ou dias de plenitude. Que, preocupado com o vazio que voltará a se formar, não percebe o conteúdo que, naquele momento, o habita.
Ignorante, para ele, é o sábio que não é capaz de mergulhar no mar. Que de tanto tentar entender os movimentos da maré, vê a seus pés somente a areia seca, e é obrigado a voltar no dia seguinte, quando a maré, tão enaltecida e estudada, voltar a subir. E desta forma, infeliz e insatisfeito, o inteligente volta para casa, com os pés sujos e a roupa colada no corpo suado, orgulhoso por ter chegado a, pelo menos, algumas frouxas teorias, mas triste por não tê-las vivido. Enquanto o ignorante, que sentiu em seu corpo os movimentos da maré, fecha os olhos e ainda se lembra do som, do frescor e do prazer do mergulho. O ignorante é, neste momento, a própria maré pelo inteligente pensada.
E anos depois, os netos do inteligente ignorante bocejam, enquanto os netos do ignorante inteligente sonham, aos ouvi-los contando da vida.Obrigado ao Outro de Nós, por me mostrar sua inteligência, frente à minha ignorância naquela noite.